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Família com oito pessoas vive em ônibus na região central de SP

Veículo foi notificado pela prefeitura para sair de rua no Brás, sob risco de multa de R$ 18 mil

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São Paulo

Quando o restaurador Gilmar Braz, 51 anos, saiu do ônibus motorhome em que vive com a mulher e os seis filhos, por volta das 2h desta terça-feira (23), para fumar um cigarro, ele afirma ter testemunhado o momento em que funcionários da Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas(PSDB), anexavam um comunicado no veículo, estacionado na região do Brás (centro da capital paulista), ao lado da estação de metrô.

No documento é afirmado que o ônibus, usado como moradia pela família, desde agosto do ano passado, pode ser multado em R$ 18 mil “por abandono em via pública” e que o veículo deve ser “imediatamente retirado” do local. Caso isso não ocorra, em cinco dias, o informativo ainda diz que o coletivo pode ser apreendido e removido para o pátio da Subprefeitura da Mooca (zona leste).

A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Assistência de Desenvolvimento Social, afirmou ter oferecido acolhimento à família "por várias vezes", em equipamentos da rede socioassistencial, mas que as ofertas não foram aceitas.

“Comprei este ônibus e a documentação está toda em dia. Como os funcionários da prefeitura vem com essa de que ele está abandonado na rua? Moramos nele desde agosto do ano passado”, explicou Braz, que restaura brinquedos, monta guitarras a partir de peças em bom estado dos instrumentos, além de coletar recicláveis para garantir a renda familiar.

Antes da atual moradia improvisada, a família viveu em outro ônibus, entre 2017 e agosto do ano passado, que foi vendido a um amigo do restaurador. Além disso, a família também usou uma perua Kombi como teto, entre 2015 e 2017, e também conviveu apertada em uma barraca de camping, comprada na Santa Ifigênia (centro), logo após todos deixarem a última casa de alvenaria onde residiram, em Guarulhos (Grande SP).

Gilmar Brás, 51anos, mora junto com a mulher Nilcélia Coutinho, 38 e seus seis filhos dentro de um motorhome no bairro do Brás, no centro de São Paulo. - Bruno Santos/Folhapress

“Chegou um ponto em que estávamos sendo muito humilhados, pelo dono da última casa em que moramos [em 2012]. Por isso, para preservar minha família, tomei a decisão de morar todo mundo em uma barraca de camping”, explicou Braz.

Quando a família precisou sair de casa, em Guarulhos, o filho mais velho, o estudante Giovane Braz, 18 anos, afirmou ter sido “muito triste”. “Perdi toda a sensação de aconchego e segurança de viver em uma casa. Desde então, a vida é muito difícil”, afirmou.

O jovem acrescentou já ter sido humilhado por colegas de escola, quando alguns destes descobriram que ele vivia em condição de rua, além de sentir insegurança, quando a família usava a barraca de camping para dormir. Ele está concluindo o último ano do ensino médio, por meio de aulas online. Seus irmãos também estudam da mesma forma, afirmou o jovem.

Giovane acrescentou que, atualmente no ônibus, ao menos conta com um teto para dormir, além de seus irmãos, pai e mãe, a dona de casa Nilcélia Coutinho, 38 anos.

A mulher conheceu Braz, no Paraná, quando ela tinha 16 anos. Ainda adolescente, ela se mudou com o companheiro para São Paulo, onde viveram em Interlagos, Santo Amaro, na zona sul, além de Diadema e Guarulhos, na Grande SP. “A maior dificuldade em não ter mais uma casa é para garantir a alimentação e higiene dos meninos”, afirmou Nilcélia, se referindo aos seis filhos, de 3, 8, 11, 13, 16 e 18 anos.

Como o ônibus ainda não conta com banheiro e eletricidade, que ainda serão adaptados ao veículo, segundo o restaurador, a família conta com a ajuda da contadora Regina Aparecida Teixeira, que conheceu os Braz durante trabalhos voluntários na região central de São Paulo. “Apesar de todas as dificuldades, todos eles são pessoas felizes, agradecidas. Isso só reforçou o sentimento de os ajudar”, afirmou a contadora.

Gilmar Bráz, 51 anos, e a mulher Nilcélia Coutinho, 38, em frente ao ônibus motorhome onde moram com os seis filhos, no bairro do Brás, centro de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Regina oferece o banheiro de sua casa, a cerca de quatro quarteirões do ônibus, onde a família toma banho, além de garantir a recarga de celulares deles. “Também faço compras do mês e as entrego para eles, além de levar água potável”, acrescentou.

As refeições, segundo Nilcélia, são preparadas para o consumo imediato, para evitar desperdícios. As necessidades físicas de todos são feitas no banheiro da estação Brás, da linha 3-vermelha do metrô. Nos dias em que a família não consegue ir até a casa de Regina, para tomar banho, improvisam a higiene pessoal usando caneca e água morna.

O Agora entrou no ônibus, na tarde desta quarta-feira (24). O veículo é dividido em três "cômodos", sendo o primeiro onde fica o volante do coletivo, usado para guardar materiais de trabalho do restaurador; outro onde fica a cozinha, com um fogão de duas bocas, também usada como dormitório pelos filhos, e um quarto aos fundos, onde o casal dorme, ao lado de guitarras, violões e até de uma bateria desmontada.

Um dos sonhos de Braz é gravar sua composições musicais, que segundo ele ultrapassam 500, junto com os filhos, que também tocam instrumentos.

Sobre a notificação da prefeitura, para a retirada do ônibus da via, o restaurador afirmou pretender migrar para outra rua, caso a decisão não for revertida. “Sou grato a Deus por tudo o que conquistei. Tudo o que faço é pensando em minha família. Por isso, ainda temos essa vida nômade, mas não deixo de sonhar em conseguir uma casa de verdade, para deixar para meus filhos.”

Getúlio Pereira Gomes, 60 anos, mora há cerca de três anos em uma perua Kombi, mantida estacionada na região do Brás (centro de São Paulo). - Alfredo Henrique/Folhapress

Vizinho mora em perua Kombi

Quando o restaurador Gilmar Braz decidiu vender sua Kombi, ela foi comprada pelo morador de rua Getúlio Pereira Gomes, 60 anos, dos quais 40 afirma terem sido vividos em situação de rua.

Com bicos, como vender recicláveis e frutas, o homem juntou grana e arrematou há cerca de três anos, por R$ 3.500, a perua onde atualmente vive. “Viver na rua não é fácil não. Mas poder dormir em um lugar fechadinho e seguro, como minha casa [Kombi], ajuda bastante”, afirmou enquanto se secava após um banho improvisado, no meio da calçada, por volta das 14h desta quarta.

Dentro da Kombi há um colchão e roupas de Gomes, que também afirma ter sido notificado pela prefeitura para sair do local, sob o risco de ser multado em R$ 18 mil. "Para ser sincero, estou pensando em me mudar, inclusive já amanhã [quinta-feira]. É só organizar as tralhas, ligar o motor, e levar minha casa para outra rua”, afirmou.

Natural de Belo Horizonte (MG), o homem afirmou já “estar acostumado” à dureza de morar nas ruas, nas quais a solidariedade entre quem nelas reside é fundamental, explicou. “Sou amigo do Gilmar. Graças a ele, consegui essa Kombi para transformar em minha casa.”

A capital tem 24.344 moradores de rua, segundo censo feito pela prefeitura em 2019. A região da Subprefeitura da Mooca concentrava 835 pessoas em situação de rua, ficando atrás apenas da Subprefeitura Sé (7.593).

Resposta

A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirmou ter oferecido "várias vezes" acolhimento à família que mora no ônibus, na região do Brás (centro de São Paulo), por meio da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. As ofertas, porém, foram negadas, acrescentou. "É importante ressaltar que há vagas na rede para acolhimento familiar e diversos perfis", diz trecho de nota.

Sobre a colocação do informativo, para que o ônibus usado como moradia pela família seja retirado do local, a Subprefeitura Mooca afirmou ter realizado uma fiscalização, terça-feira (23), de um decreto que "veda a permanência em vias públicas". "De acordo com a legislação vigente, após cinco dias úteis da data da notificação, sem providências por parte do proprietário ou responsável pelo veículo, o veículo é removido e encaminhado ao pátio da subprefeitura", afirma ainda em nota.

O governo municipal reiterou ter orientado a família sobre os serviços socioassistenciais oferecidos, mas que foram recusados, da mesma forma que a informação sobre dados pessoais dos oito familiares.

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