Descrição de chapéu Coronavírus

São Paulo completa um ano em quarentena com restrições mais rígidas

Segundo especialista, avanço da doença não foi barrado porque quarentena não foi rígida o suficiente

São Paulo

Há exatamente um ano São Paulo entrou em quarentena. A previsão inicial indicava que seriam 15 dias para diminuir a circulação de pessoas e, consequentemente, da infecção por coronavírus para não sobrecarregar o sistema de saúde. Mas depois de diversas prorrogações, o estado se vê no pior momento da pandemia, com recordes sucessivos de casos e mortes —nesta terça-feira (23), foram 1.021 vidas perdidas pela doença.

São Paulo já registrou 2,3 milhões de casos da Covid-19 e mais de 68 mil mortes. Atualmente, há mais de 29 mil pessoas internadas para o tratamento da doença, gerando uma ocupação de 92,3% dos leitos de UTI e de 82,3% dos leitos de enfermaria.

Desde o dia 15, o estado vive a fase mais restritiva da quarentena, chamada de "emergencial" —originalmente, essa classificação sequer existia no Plano São Paulo. Quando comparada às principais restrições implementadas um ano atrás, as principais diferenças estão na proibição de alguns setores do comércio, como lojas de material de construção, e da entrega de mercadorias nas portas de lojas.

Há, ainda a recomendação, por parte do governo, de que empregadores façam o escalonamento de expedientes para diminuir a aglomeração de pessoas no transporte público e um "toque de restrição", que pede que as pessoas fiquem em casa a partir das 20h. Essas medidas, contudo, não são passíveis de sanção em caso de descumprimento.

"As pessoas acham que a quarentena não funcionou, mas é porque não estamos tendo quarentena", afirma Ivan França Júnior, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo). Segundo ele, por não haver determinações firmes para que as pessoas não saiam de casa, tampouco fiscalização, a medida não teve efetividade.

França Júnior compara a quarentena seguida pelo país, inclusive em São Paulo, a um tratamento médico pela metade. "Se o médico manda você tomar metade do tratamento, a culpa é do remédio? O que não funcionou foram as autoridades, que não instituíram verdadeira quarentena."

O publicitário Gustavo Gusmão, 29, é um dos que há um ano só sai de casa para ir ao mercado. Ultimamente, precisou começar uma mudança, mas diz que está realizando o processo aos poucos. "É para me expor o mínimo possível."

"A gente aguenta mais [tempo em quarentena] porque precisa, mas o sentimento principal é de cansaço", afirma o publicitário. Ele se diz pessimista: acha que, até janeiro, ainda estará preso em casa por causa da doença.

Por ter hipertensão, Gusmão é do grupo de risco, assim como sua mãe, com quem mora. em outubro do ano passado, ele perdeu a avó para a Covid-19 --ela foi infectada no hospital, onde esteve internada na UTI para o tratamento de um câncer.

Tanto tempo em quarentena e a dificuldade em manter a renda no período afetou a população. Em comunidades vulneráveis, houve aumento da demanda por doações de itens básicos, especialmente de alimentação. No comércio, são muitos os casos de estabelecimentos fechando porque não conseguem permanecer na ativa.

Esse é o caso do restaurante de José Montini, 65, de frente para a praça da República, região central. Nesta terça, ele instalava faixas de "aluga-se" no ponto porque não conseguiria mais manter a operação. Ao fim de 41 anos de atividade, cerca de 20 funcionários, além dele, ficaram sem emprego.

"Não sei o que vou fazer da minha vida", diz Montini. Devido à idade, ele diz que será ainda mais difícil encontrar uma nova atividade. Na tentativa de manter o restaurante, fechado desde 19 de março, teve diversos prejuízos. Chegou a pensar em virar motorista de aplicativo, mas vendeu o carro para diminuir as dívidas.

De acordo com Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, a entidade percebeu um grande número de comerciantes entregando o ponto, assim como Montini. "No comércio, possivelmente, essa situação tende a se agravar porque os empregadores já sofreram muito com a primeira onda da pandemia e entram nessa segunda muito endividados."

O Secovi não tem um levantamento de quantos pontos comerciais foram devolvidos no último ano. O IVL (Índice de Velocidade de Locação), que avalia o número de dias que se espera até que se assine o contrato de aluguel, indicou que o período de ocupação de um imóvel em fevereiro de 2021 foi de 24 a 80 dias. Um ano antes, esse processo levava entre 17 e 44 dias. Essa é mais uma situação em que há perda de renda, afirma Sartori.

Solução é quarentena rigorosa, segundo especialista

Distanciamento social, lockdown, testagem em massa, vacinação da população e uso de máscara. Não é simples, mas essas são as ferramentas necessárias para que os casos e mortes realmente caiam, segundo Ivan França Júnior, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).

"Nossos hospitais estão completamente saturados. Nós queremos que as pessoas morram nas ruas e nas casas? O único jeito de parar a transmissão é quarentena", afirma ele. Seriam necessários, pelo menos, 15 dias nessa situação para que os efeitos fossem sentidos.

"É necessária a combinação das estratégias de distanciamento físico e testagem. O Brasil nunca fez testagem para controlar os focos da doença e não fez a quarentena. São duas medidas clássicas que seriam necessárias para controlar a pandemia."

Caso nada seja modificado, França Júnior diz, o cenário só vai piorar: surgirão novas variantes, mais eficazes na transmissão, reinfectando pessoas que já tiveram a doença e gerando mais casos de Covid-19 e, consequentemente, mais mortes.

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