Voltaire de Souza: O poder da palavra

Voltaire de Souza

Fé. Certeza. Convicção.
Dona Valdívia era evangélica desde criancinha.
—Jesus salva. Jesus cura.
Numa coisa, entretanto, ela não acreditava.
—Covid. Ora essa.
O país discute o tema.
Deve-se permitir o culto nas igrejas?
Dona Valdívia dava um sorriso superior.
—Podem proibir o que quiserem.
Ela levantou a Bíblia na direção do teto.
—Mas a Deus tudo é possível.
Para ela, o culto na televisão não era a mesma coisa.
—Perde-se a força da congregação.
Era grande a sua necessidade de entusiasmo espiritual.
—Perdi meu irmão e minha cunhada.
Teria sido o Covid?
—Não. Foi só uma gripe mais forte.
A família tentava argumentar.
—Leva a máscara pelo menos, mãe.
—Invencionice. Bobajada.
O pastor Robertinho fechava os olhos.
—Quanto mais gente, melhor.
Cânticos. Gritos. Exorcismos.
Dona Valdívia chegou em casa animada.
—Vamos ouvir a Palavra.
Ela gritava na mesa do almoço.
—O senhor é meu Pastor.
Quem reclamasse, levava bronca.
A falação teve efeito inesperado.
O vírus foi transmitido a quem quisesse ouvir.
A Palavra é importante.
O problema é a saliva que vem junto.

Fé. Certeza. Convicção.
Fé. Certeza. Convicção. - Pexels
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