Descrição de chapéu Coronavírus

Especialistas divergem sobre exigência de comprovante de residência para vacina

Embora Ministério da Saúde afirme que municípios têm autonomia, OAB-SP vê ilegalidade na medida adotada na capital paulista, por exemplo, para vacinação contra Covid-19

A decisão de alguns municípios em exigir comprovante de residência para permitir que grupos prioritários sejam imunizados contra a Covid-19 gera polêmica e não é consenso entre especialistas das áreas de saúde e direito.

Quem vê ilegalidade na medida defende que o artigo 196 da Constituição Federal estabelece que o SUS (Sistema Único de Saúde) tem como princípios a universalidade e igualdade dos serviços de saúde para todos os brasileiros e residentes no Brasil. Portanto, criar algum obstáculo seria ilegal.

“A restrição em razão do domicílio para vacinação contra a Covid-19 não encontra respaldo constitucional ou legal. Qualquer distinção entre brasileiros é expressamente vedada pela Constituição Federal”, afirma o advogado Estevão Schultz Campos, integrante da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

Pessoas fazem fila para se vacinar na UBS Doutor Manoel Joaquim Pera, na Vila Madalena, no dia 21 deste mês - Zanone Fraissat/21.mai.2021/Folhapress

Entre os municípios que passaram a exigir o comprovante de residência para liberação da vacina contra a Covid-19 está São Paulo. A medida, anunciada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), na quinta-feira (27), entrou em vigor nesta sexta (28).

A justificativa foi a de evitar que pessoas de outras cidades do interior ou litoral do estado sejam vacinadas na capital, única cidade paulista a oferecer a vacina da Pfizer, por exemplo.

Procurados para comentar o assunto, tanto o Ministério da Saúde quanto a Secretaria Estadual de Saúde afirmaram que o município tem autonomia para definir a sua estratégia de vacinação.

Para o promotor Arthur Pinto Filho, especializado em saúde pública, esse é um tema sensível. Ele avalia que a questão da vacina tem uma especificidade, já que a distribuição feita pelo Ministério da Saúde leva em conta a populações elegíveis a serem imunizadas de cada município.

“Se não houver um certo controle, um determinado município, ao receber mais pessoas de outras cidades, ele não conseguirá cumprir a sua meta vacinal, porque parte da sua população ficará sem vacina", afirma. "Em compensação, outros municípios cujo certo contingente populacional vá se vacinar em outro lugar, ficará com sobra de vacina. E essa situação é muito delicada”, afirma.

Campos, da OAB, sustenta que o próprio PNI (Plano Nacional de Imunização) não cita a exigência de um comprovante de endereço. Ele afirmou ser perfeitamente possível que as doses remanescentes de um local sejam deslocadas para outra região. “Existe uma organização prévia apenas, uma expectativa”, diz.

Questão menor

Além de ser fundador da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e seu primeiro presidente, o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto foi um dos idealizadores do SUS. Ele defende que os municípios possam exigir o comprovante de residência. “Não tem cabimento sair de um lugar para ser atendido em outro. A pessoa precisa buscar a UBS mais próxima da casa dela, perto de seu endereço”, afirma.

Ele diz que o preceito de universalidade e igualdade no direito à saúde não são transgredidos caso algum gestor peça esse documento. Entretanto, reconhece que há brecha para que alguém recorra à Justiça para ser imunizado mesmo se não apresentar o comprovante.

“É uma questão tão menor para se discutir juridicamente, mas, se alguém acha que está sendo impedido, pode entrar na Justiça. Porém, é uma bobagem. Ter um comprovante de residência para qualquer coisa é uma questão universal no Brasil”, diz.

Para Campos, da OAB-SP, a exigência do comprovante de residência não é uma questão menor. “Não devemos admitir ou promover, mesmo que indiretamente, atitudes como essa entre nós com restrições inconstitucionais. O SUS tem sistema informatizado e qualquer pessoa vacinada tem seu cadastro atualizado”, diz.

Ele afirma que o Ministério Público Estadual deveria agir para evitar situações como essa.

O promotor Arthur Pinto Filho diz que a falta de vacinas leva a situações muito delicadas e que necessitam serem tratadas com muita sensibilidade. “No caso concreto das vacinas, os municípios podem, sim, instituir essa possibilidade de vacinar os seus munícipes, justamente para que não faltem vacinas”, diz.

Resposta

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, a exigência do comprovante de residência foi uma medida adotada devido a redução progressiva da faixa etária atendida.

A prefeitura explicou ainda que o comprovante só deve ser apresentado para quem irá tomar a primeira dose. Se o comprovante estiver no nome de um parente, será exigido comprovar também o grau de parentesco.

Aqueles que moram em São Paulo, mas não possuem grau de parentesco com o titular do comprovante de residência, devem apresentar uma carta da pessoa que forneceu o documento. Nela, será necessário declarar a moradia conjunta, e ainda o nome completo, número de documentos e telefone para contato do titular, que devem ser apresentados junto ao comprovante de endereço do autor da carta.

A nota afirma ainda que a Secretara Municipal de Saúde possui doses suficientes imunizar o público elegível. "No caso de falta momentânea de vacinas, é realizado o remanejamento/abastecimento de doses entre as unidades vacinadoras do município, de forma a garantir a continuidade da campanha sem interrupções", diz.

Em casos pontuais de desabastecimento, os dados dos usuários são coletados pelos funcionários e assim que a nova remessa de vacinas chega à UBS esses usuários são contatados e orientados a retornar para receber sua segunda dose, ainda segundo a prefeitura.

Assuntos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.