Descrição de chapéu Coronavírus

Sequelas da Covid-19 levam os pacientes à reabilitação em SP

Perda de força chega a deixar pessoas até então saudáveis com paralisia total de braços e pernas

São Paulo

A “tempestade inflamatória” causada pelo coronavírus costuma provocar estragos que vão muito além do período em que a doença está ativa. Mesmo depois que a Covid-19 aparentemente foi embora, pacientes têm relatado desde a perda de paladar até sequelas mais graves, como a perda total de movimentos dos braços e das pernas, a ponto de não conseguir nem mesmo permanecer sentado.

Referência na reabilitação em São Paulo, a Rede Lucy Montoro já recebeu cerca de 820 pessoas que, após a contaminação, lutam agora para voltar à vida normal.

“Ansiedade, dor, diminuição expressiva da força muscular. Esse cansaço que é imenso. É tridimensional, porque tem a ver com questão respiratória, cerebral e falta de força. E a insônia. São os sinais que trazem”, diz a idealizadora da rede e professora titular de fisiatria da FMUSP, Linamara Rizzo Battistella.

Nem sempre quem mal percebeu os sintomas da Covid-19 está livre de danos futuros. “É uma doença caprichosa. Pode ter até uma manifestação um pouco mais suave na fase aguda e deixar sequelas tão expressivas quanto em pacientes que ficaram na UTI”, conta Linamara.

O economista Alvaro Melo faz fisioterapia na Rede Lucy Montoro; ele veio do Amazonas para SP em janeiro e passou por quatro intubações - Rubens Cavallari/Folhapress

O economista Alvaro Melo, 53, tem lutado contra a Covid-19 desde janeiro e passou por quatro intubações. No início do ano, deixou o Amazonas para se tratar em São Paulo e, em abril, iniciou a reabilitação na Rede Lucy Montoro. Tem reaprendido coisas que qualquer um faria sem esforço, como deglutir e andar.

Durante os quatro meses na capital paulista, Melo teve quase 90% do seu pulmão tomado pelo vírus. A mulher dele também foi contaminada, mas apresentou um quadro bem mais leve, o que o leva a fazer um alerta. “Não negligencie, porque é uma doença imprevisível”, diz.

O economista mantém vivo um sonho. “Quero voltar para casa para dar um abraço no meu filho. É por isso que estou aqui na reabilitação, fazendo esse esforço”, afirma.

Carreteiro vai de sintomas leves à paralisia total após a doença

O motorista de carreta Wagner de Souza Rodrigues, 38 anos, imaginava que a gravidade do coronavírus fosse “mentira de jornal”. Em fevereiro, o teste do caminhoneiro deu positivo para a Covid-19, mas os sintomas não passaram da dor de cabeça leve e ele voltou a trabalhar posteriormente.

O baque veio quando já se imaginava livre da doença. “Depois de 15 dias, fiquei deficiente. Paralisou meu rosto, as pernas e os braços. Não tenho mais condições de dirigir”, diz.

O motorista de carreta Wagner de Souza Rodrigues, 38 anos, que teve sintomas leves da Covid-19, mas 15 dias depois da doença perdeu movimentos dos membros - Rubens Cavallari/Folhapress

Nos últimos dois meses, quando a Covid-19 foi mais letal do que nunca no país, Rodrigues perdeu amigos por causa do vírus e viu outros conhecidos, antes descrentes, agora comovidos. Durante esse período, iniciou uma luta para recuperar os movimentos perdidos, com a ajuda da Rede Lucy Montoro. Teve alta na última semana, e já caminha com muleta. “Sonhava em andar de novo. Meu pensamento era esse. ‘Meu Deus, se eu andar já está bom para mim’”, conta.

O carreteiro diz que conheceu o Brasil inteiro com seu caminhão, todos os pontos turísticos, mas enxerga agora um outro rumo na estrada. “Conversei muito com psicólogo. A carreta foi um sonho que passou para mim. Não tenho mais condições, não. Exige muito esforço físico, porque tem que engatar e desengatar”, diz. “Pode ser que volte a 100%, mas eles acham que vai ficar sequela.”

Ajudante perdeu movimento do pé direito depois da intubação

O coronavírus marcou a vida do ajudante geral Sergio Xavier Pereira, 39, há exatamente um ano, quando permaneceu 16 dias intubado. “Quando acordei, não mexia braço e nem perna. Precisaram me limpar, dar banho e comida”, conta.

Pereira ainda passou um bom tempo na enfermaria e depois mais 14 dias em uma unidade da Rede Lucy Montoro. Mesmo com todo o apoio que recebeu dos profissionais da reabilitação, ainda sofre com as sequelas. “Meu pé direito não mexe. Nem sentir, eu sinto. Está dormente. Caí em casa várias vezes”, diz.

Desempregado, porque a empresa onde trabalhava “fechou as portas e se mandou”, nas suas palavras, o ajudante conta que nem mesmo o carro consegue dirigir. “Vou ter que adaptar o carro e tirar outra CNH”, diz.

Restou também a fraqueza na voz. O futuro é incerto e pode exigir desafios. “Esperança [de trabalhar], eu tenho. Agora, se o pé não voltar, não tem como. Vou ter que me adaptar.”

O ajudante geral Sergio Pereira, 39, que ficou intubado há um ano por causa da Covid e não mexe o pé direito - Rubens Cavallari/Folhapress

Lesões no pulmão provocam cansaço extremo

A fisioterapeuta Daniela Utiyama afirma que muitos pacientes chegam em um estado tão crítico que não conseguem nem mesmo ficar sentados. Outros têm um cansaço gigantesco, com a falta de ar provocada pelas lesões no pulmão. “Estamos falando só do que é visível, mas muitos chegam ainda com dificuldade de paladar, de deglutição, déficit de memória”, diz.

A especialista explica também que o estado físico anterior à Covid-19 pode ajudar na recuperação, mas não impede danos severos “Atendemos um paciente que fazia atividade três vezes por semana, saudável, não bebia e nem fumava, mas que chegou aqui de cadeira de rodas”, conta. “A nossa grande questão hoje, o que estamos tentando descobrir, é porque alguns ficam em situação tão grave e outros não”, completa.

Segundo a fisioterapeuta, o grande objetivo é que a pessoa em recuperação consiga desenvolver, com independência, as atividades que fazia antes da contaminação.

Fraqueza impede até mesmo digitação

A fraqueza imposta pela Covid-19 pode ser tão grande a ponto de impedir que alguém aparentemente recuperado consiga até mesmo digitar no computador ou no celular. “A gente não percebe, mas coloca uma pressão ao fazer isso. Os pacientes chegam tão enfraquecidos que os dedos deslizam”, afirma a terapeuta ocupacional Vivian Vicente, da Rede Lucy Montoro. “Tem um movimento que é a dissociação de dedos. Movimentar cada dedo em separado, que é o que fazemos na digitação. Eles não conseguem”, explica.

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