A pandemia do coronavírus agravou ainda mais a situação dos bancos de sangue. Dados do HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual) de São Paulo mostram que 12,5% das transfusões de sangue na instituição médica são para pacientes que desenvolveram doenças, como anemias, hemorragias agudas, coagulopatias, tromboses e choque séptico em decorrência da Covid-19. Ou seja, uma a cada oito transfusões é exclusivamente para esses casos.
Somado a isso, os dados de coletas de sangue e estoque não são animadores. Segundo o Ministério da Saúde, desde 2020, devido à pandemia, houve uma queda de 15% a 20% nas doações. Em 2019, foram realizadas 3.271.824 coletas de sangue no país. Ano passado, foram 2.958.665 coletas de sangue. Até o mês de março de 2021, foram coletadas 734.247 bolsas de sangue.
Apesar disso, o órgão afirma, em nota oficial, que até o momento não foi registrado desabastecimento em nenhum estado brasileiro.
“A gente continua com estoques baixos. Devido à pandemia, as pessoas têm medo de sair de casa e se contaminar, e os nossos doadores acabaram diminuindo. Ano passado e este ano tivemos uma diminuição do número de doadores de sangue em torno de 30%”, diz Alexandre Szulman, médico hemoterapeuta do HSPE, ao Agora.
“O que a gente tem notado com o paciente de Covid-19 é que, quanto mais grave fica o caso, existe uma relação direta com tempo de internação e possível intubação, ou até mesmo para uma forma mais grave da doença. São esses pacientes os que mais necessitam de transfusão, já que têm necessidade do concentrado de hemácias, que realiza e ajuda no transporte de oxigênio no corpo”, completa o especialista.
O professor de hematologia do Centro Universitário São Camilo, Jamilton de Medeiros Eduardo, disse que os casos mais sérios de Covid-19 costumam precisar de transfusões. “O paciente com casos mais graves de Covid-19 pode ter um quadro de anemia, por exemplo. Então costumamos usar um concentrado de hemácias pela dificuldade dos pacientes de levar oxigênio para o pulmão. Eventualmente pode ser usado um concentrado com plaquetas por sangramentos, mas com menos frequência”, diz.
A médica hematologista do HCor, Daniela Rocha, também afirma que outras causas podem desencadear a necessidade de transfusões de sangue. "Os medicamentos utilizados ao longo do tratamento podem causar alterações em glóbulos vermelhos e plaquetas e/ou alterações no funcionamento da fábrica do sangue que é a medula óssea. Assim, esses pacientes são submetidos ao uso de anticoagulantes, que podem desencadear sangramento com queda dos glóbulos vermelhos ou queda de plaquetas pelo próprio processo inflamatório gerado pela infecção viral e necessidade de transfusão", comenta.
Na capital de São Paulo, a Fundação Pró-Sangue, em nota à reportagem, diz que está operando com 57% do volume necessário e que maio foi um dos meses mais críticos, já que teve que trabalhar com apenas 34% das reservas.
A instituição pública, que é ligada à Secretaria da Saúde do Governo do Estado de São Paulo e ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e considerada referência para a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), OMS (Organização Mundial da Saúde) e para o próprio Ministério da Saúde, também afirmou que está conseguindo manter a coleta mensal próxima da meta, mas dificuldades.
“Embora estamos conseguindo manter a coleta mensal bem próxima da meta (9.520 bolsas de sangue total), em contrapartida não estamos tendo efetividade na manutenção da regularidade do estoque num patamar ideal para abastecimento. Ocorre que a demanda do sangue aumentou nos últimos tempos. O volume de bolsas que entra não está sendo suficiente para segurar o estoque em condições adequadas”, comenta, em nota.
Uma das pessoas que voltou a doar sangue durante a pandemia foi Mercedes Comamala Soler, 50 anos, que é cabeleireira e mora em Itapevi (Grande SP).
“Doei no Hospital do Servidor Público Estadual porque o marido de uma cliente minha faz hemodiálise há muitos anos. Eu já tinha doado em agosto do ano passado para ele nessa mesma unidade e hoje eu fui de novo. Daqui três meses pretendo fazer uma nova doação, mas para o banco de sangue”, diz Mercedes.
“Eu acho muito necessário porque não custa nada. Vejo muitas pessoas necessitando, seja para uma cirurgia, transplante ou para salvar vidas. É muito importante”, completa.
Outro doador foi Hugo Calebe da Silva Campos, 35 anos, que é auxiliar jurídico e mora na Vila Gustavo (zona norte). Ele afirma que foi ajudar o tio.
“O primeiro motivo é porque meu tio está internado no Hospital do Servidor Público e está precisando de doações de sangue. O outro motivo é porque quero ajudar o próximo. A doação de sangue é imprescindível”, diz Hugo. “Foi a primeira vez que doei, mas prometi para mim mesmo que a partir de hoje, assim que der o intervalo para doar, vou participar da doação novamente e manter com esse hábito”, completa.
A rede privada também está enfrentando dificuldades. A Rede São Camilo de São Paulo, por exemplo, afirma que, embora os bancos não tenham ficado desabastecidos, a quantidade de sangue não é suficiente para atender a constante demanda da população.
“Os bancos de sangue necessitam ampliar o estoque de todos os tipos sanguíneos, no entanto, os mais críticos costumam ser os O- e O+. O primeiro por ser compatível com os tipos positivos ou negativos; e o segundo, por ser o mais comum e, portanto, o mais demandado”, comenta Eliseo Sekiya, hematologista e hemoterapeuta da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
Campanha por doadores de sangue
Com o baixo número de bolsas de sangue disponíveis, os bancos estão aproveitando o Junho Vermelho, que celebra o Dia Mundial do Doador de Sangue durante o mês, para incentivar as doações.
O banco de sangue do HSPE, por exemplo, iniciou a campanha "Procura-se Doador de Sangue" para impulsionar doações.
"A doação de sangue é um ato de solidariedade com o próximo. Ato que pode salvar vidas vítimas da Covid-19 e de outras doenças graves", comenta Fabio Lino, diretor do banco de sangue do HSPE.
Para evitar quaisquer riscos de contaminação, os doadores são submetidos a testes de sorologia para identificação de doenças transmissíveis e a coleta das bolsas de sangue doadas é realizada com material descartável e estéril. Além disso, o Banco de Sangue do HSPE está localizado em área independente das demais unidades hospitalares, evitando contato com pacientes.
“Nossa ideia é conscientizar e incentivar as pessoas da importância da doação de sangue. Costumo falar que o sangue não se produz e depende apenas da boa vontade da pessoa de querer doar sangue. Queremos melhorar os estoques, ainda mais nesse momento muito ruim da pandemia de Covid-19”, diz Alexandre Szulman, médico hemoterapeuta do HSPE.
A rede São Camilo de São Paulo afirma que o espaço e os profissionais estão preparados para receber doadores voluntários em segurança.
“A coleta é feita seguindo todos os protocolos para evitar a contaminação cruzada da Covid-19, tudo isso para que, tanto aqueles que já faziam doações regulares quanto os que desejam começar, possam realizar o ato sem riscos à sua saúde”, reforça Eliseo Sekiya, hematologista.
Durante o mês, a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo) e as 20 concessionárias que administram as rodovias paulistas sob sua concessão vão exibir incentivo à doação de sangue em 392 painéis eletrônicos distribuídos ao longo dos 11,2 mil quilômetros de rodovias concessionadas.
“Durante essa fase que enfrentamos, temos mais esta meta em comum, a de somarmos esforços para que os estoques de sangue se mantenham em condições satisfatórias em todo o Estado”, diz Milton Persoli, diretor-geral da Artesp.
O Ministério da Saúde reforça que os hemocentros estão recebendo doações por meio de agendamento prévio, assim evitando aglomerações, além de adequações do processo de trabalho para minimização dos riscos (uso de máscaras, utilização de álcool em gel para desinfecção de mãos, frequente desinfecção de superfícies etc).
Doação segura
- Os bancos de sangue adotaram medidas cautelares para aumentar a segurança de doadores e profissionais de saúde, entre as quais:
- Agendamento individual da doação, para evitar aglomeração e diminuir o tempo de permanência das pessoas nos postos de coleta;
- Disponibilização de álcool gel em vários pontos do processo da doação, para os candidatos manterem suas mãos higienizadas durante a permanência nos locais;
- Medidas de proteção como distanciamento, lavagem de mãos, higiene das cadeiras e equipamentos com produtos antissépticos
- Os profissionais, sempre com uso do EPI (Equipamentos de Proteção Individual) hospitalar, foram instruídos com as medidas de segurança contra a Covid-19
Requisitos para doar
- Alguns dos critérios necessários de acordo com as orientações do Ministério da Saúde:
- Apresentar documento original, com foto recente, que permita a identificação do doador, emitido por órgão oficial (Carteira de Identidade, Cartão de Identidade de Profissional Liberal, Carteira de Trabalho e Previdência Social);
- Estar em boas condições de saúde;
- Ter entre 16 e 69 anos, desde que a primeira doação tenha sido feita até 60 anos (menores devem estar acompanhados do responsável legal para doar; alguns lugares pedem um formulário de autorização para a doação);
- Pesar no mínimo 50 kg;
- Estar alimentado (evitar alimentos gordurosos nas quatro horas que antecedem a doação);
- Estar descansado (ter dormido pelo menos 6 horas nas últimas 24 horas);
- Candidatos que estiverem no exterior não podem doar sangue por 14 dias a partir da data do retorno;
- Voluntários que tiveram contato com casos suspeitos e confirmados de Covid-19 ficam impedidos de doar sangue por 14 dias;
- Doadores que apresentaram sintomas de possível infecção pelo Covid-19 (casos suspeitos) poderão doar sangue após 14 dias do desaparecimento dos sintomas;
- Aqueles que apresentaram diagnóstico positivo de Covid-19 só poderão doar sangue após 30 dias da recuperação clínica completa (sem sintomas).
- Já os que foram vacinados contra a doença com a CoronaVac, devem esperar 2 dias, com a AstraZeneca/Oxford e a Pfizer 7 dias, para realizar o procedimento
- O voluntário que estiver com sintomas de gripe, febre ou diarreia deve aguardar a melhora do quadro para fazer a doação;
- Uma pessoa saudável pode doar sangue de três a quatro vezes no ano, sempre respeitando um intervalo mínimo de dois a três meses entre uma doação e outra
Alguns postos de coleta na capital
Locais da Pró-Sangue
HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual)
- Para doar no HSPE não é necessário agendar horário
- O serviço funciona de segunda a sexta, das 9h às 16h e aos sábados, das 8h às 16h
- O acesso ao prédio é pela Rua Pedro de Toledo, 1800, Vila Clementino (zona sul)
Hospital São Camilo
- É possível realizar suas doações em uma das unidades
- Mais informações pelo telefone (11) 3474-4222
Unidade Guarulhos - Rua Santo Antônio, 95
- Seg à sexta: 8h às 17h
- (11) 3660-6040
Unidade São Bernardo - Rua Mediterrâneo, 470 – Jd do Mar
- Seg à sexta: 8h às 16h
- (11) 3660-5968
Unidade Liberdade - Rua Barão de Iguape, 212/2 andar
- Seg à sexta: 8h às 17h
- (11) 3660-6044
Na Unidade Mooca - Av. Alcântara Machado, 2576 - as doações começam a partir do dia 05 de julho. Entre os dias 31/05 e 04/07, a unidade estará em reforma para ativar o novo posto de coleta
Fontes: HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual; Fundação Pró-Sangue; e Rede São Camilo São Paulo
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.