Após nove anos disputando competições regionais, estaduais e internacionais, o projeto de ensino de basquete desenvolvido pelo professor Rodrigo Mussini, com alunas da escola estadual Recanto Verde Sol, chegou ao ápice no cenário esportivo, ao ter o direito de ostentar a marca NBA.
Em 2020, a NBA Basketball School procurou o educador físico para licenciar o projeto Instituto Recanto Basketball, criado por ele um ano antes, e por onde já passaram mais de 200 alunas da escola pública localizada no Iguatemi, extremo leste da capital paulista. Atualmente, 70 meninas são atendidas pelo projeto.
"Em 2018 veio o convite para jogar a NBA Júnior, até então apenas colégios particulares eram convidados. Só havia uma vaga para escola pública. Fomos campeões. No ano seguinte, fomos bicampeões do torneio", relembra Mussini.
A partir de 2014, o grupo de meninas treinado por Mussini começou a participar de competições de maior vulto. "Em 2015 representamos a capital nos jogos escolares, num universo de duas mil escolas", recorda.
Com experiência adquirida nos torneios, as equipes sub-14 e sub-17 foram campeãs estaduais em 2017. No ano seguinte, jogaram o torneio NBA Júnior, com direito ao bicampeonato em 2019.
"A partir daí fomos procurados por um grande escritório jurídico que nos ajudou a criar o instituto, uma empresa que fornece o material esportivo, outra que disponibiliza um cartão-alimentação no valor de R$ 100 todo mês às meninas, um empresário que nos ajuda com transporte e alimentação nos treinos e um fisioterapeuta da comissão técnica de Camarões", afirmou.
O projeto, apadrinhado pela ex-jogadora da seleção brasileira e campeã mundial de basquete Alessandra, revelou meninas como Raiane, 18 anos, que embarcou no início do mês para disputar a Copa do Mundo na Hungria, com a seleção brasileira sub-19. Amanda, 20 anos, é outra revelação do Instituto Recanto Basketball e defende o time da cidade de Araraquara.
'Emocional é pilar dentro e fora da quadra'
Aos 15 anos, a aluna do 9º ano do ensino fundamental Giovanna Oliveira da Cruz tem uma rotina intensa. Acorda cedo para treinar na academia do bairro, arruma a casa, cuida do irmão mais novo, treina três vez por semana no time de basquete e estuda com afinco para passar de ano.
"Iniciei com 10 anos, mas saí logo. Voltei com 11 anos para jogar no sub-12, sub-13 e sub-14. O time foi campeão por duas vezes em torneios da NBA e ficamos em segundo no Estado de São Paulo", relembra com orgulho a ala armadora do time da escola estadual Recanto Verde Sol.
A paixão pelo basquete, porém, começou por um acaso, ao ser notada pelo professor Mussini na sala dos professores, por conta de sua altura. "Era comum a professora pedir aos alunos para ajudá-la a carregar os livros. Um dia, o professor me viu, comentou sobre meu tamanho e me convidou de cara para participar dos treinos."
Desde os 11 anos no projeto, a aluna do 2º do ensino médio Kathllen Susuki Oliveira Silva enxerga sua vida através do esporte. "O basquete abriu as portas e me mostrou o caminho. Além de contribuir na parte física, é na emocional que me ajuda a ter comprometimento, resiliência e empatia dentro e fora das quadras", avalia a atleta de 16 anos.
Atuando no time da escola como ala armadora, Kathllen se diz completamente adaptada à rotina de treinos, estudos e convívio familiar. Também moradora do entorno da escola, a atleta diz que tem uma postura competitiva, mas que o basquete lhe ajudou a ter calma. "Hoje, aprendi que o emocional é o pilar principal dentro e fora das quadras", avalia.
Esporte na escola ensina a viver vitórias e derrotas
A prática esportiva ensinada nas escolas vai muito além de uma aula recreativa ou da busca por um atleta de alto rendimento. Os alunos aprendem a se relacionar uns com os outros, a superar suas marcas individuais e a viver as vitórias e derrotas individuais e coletivas.
"Ganham experiência nas relações cooperativas, na superação dos obstáculos de vida, além de aprenderem a competir. Essas marcas ficam para o resto da vida na memória", analisa Sérgio Roberto Silveira, professor da EEFE/USP (Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo).
Para o pesquisador da EEFE/USP, a abertura das escolas para a prática esportiva dá espaço para que todos tenham a oportunidade de avançar consigo mesmos. "O cidadão torna-se capaz de acreditar em si próprio ao ter autonomia e capacidade de buscar avanços e melhorias individuais", fala.
Ele lembra ainda que prática esportiva suscita pesquisas relacionadas ao empoderamento de grupos específicos, por vezes discriminados. "Na Austrália, há uma pesquisadora que estuda as relações das refugiadas africanas a partir do esporte e no empoderamento da mulher, demonstrando um potencial importante nesse sentido", afirma.
E destaca a formação cidadã por meio das políticas públicas inclusivas. "Só assim o esporte pode ser estudado como canal para mediar o convívio cidadão."
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