A Receita Federal localizou um tipo de droga até então desconhecido pela comunidade científica, de acordo com pesquisadores brasileiros. O entorpecente estava em uma correspondência enviada da Holanda para os Correios de Pinhais (PR). Segundo a UFPR (Universidade Federal do Paraná), o produto é uma maconha sintética que teve as moléculas modificadas em laboratório para dificultar sua identificação, tanto em testes quanto por cães farejadores. A apreensão ocorreu em 18 de agosto deste ano.
A primeira vez em que se teve informações de drogas sintéticas no Brasil, que simulam os efeitos da maconha, foi em 2009, pela Polícia Federal de São Paulo. Este tipo de entorpecente, produzido em laboratório, também foi apreendido pela primeira vez no sistema carcerário paulista, na véspera do Natal de 2017, na Penitenciária de Presidente Bernardes (580 km de SP).
A Receita Federal do Paraná afirmou ao Agora que a modificação da droga não impediu que os cães farejadores Ônix e Vilma apontassem a presença de uma substância suspeita no pacote. Instantes antes, o conteúdo estranho já havia sido identificado pelo scanner do Centro Internacional dos Correios, em Pinhais. Os cães foram usados para reforçar a necessidade de abrir a correspondência.
O local recebe todas as encomendas de pequeno porte vindas do exterior ao Brasil, que são posteriormente encaminhadas para seus destinatários a todos os estados.
No caso dos cinco pacotes onde estava a nova maconha sintética, acrescentou a Receita Federal, eles seriam despachados para São Paulo. Ao todo, foi apreendido 1,2 kg da droga, que está sob a responsabilidade da Polícia Federal.
No dia seguinte à apreensão, amostras foram encaminhadas para o Centro de Ciências Forenses do Departamento de Química da UFPR para serem analisadas.
Nova substância
Segundo o professor Andersson Barison, coordenador do Laboratório Multiusuário de Ressonância Magnética Nuclear da UFPR, ele e sua equipe demoraram um dia para constatar que a droga não havia ainda sido registrada na literatura científica mundial.
"O que é chamada de maconha sintética não tem origem na planta. O canabinoide sintético é feito em laboratório e simula os efeitos [da cannabis natural]. O que esse canabinoite que identificamos tem de inédito é uma pequena modificação na molécula. Para enganar a legislação, fazem modificações na molécula, diferente das [até então] descritas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], tornando difícil para as agências de controle identificarem a substância como uma droga ilegal", explicou.
O especialista disse ainda que os canabinoides sintéticos são uma classe de substância, com funções químicas características em algumas moléculas. "Eles [canabinoides] contam com um núcleo básico semelhante. O que [os traficantes] fizeram [na nova droga apreendida] foram pequenas modificações nesse núcleo básico da molécula. Como um exemplo, eles trocaram nitrogênio por cloro, colocando também um grupo de CH3 [derivado do metano]", exemplificou.
As análises foram feitas em um equipamento chamado de espectrômetro de ressonância magnética nuclear. "Ele fornece um espectro [das substâncias químicas], como se fosse uma impressão digital de cada molécula. Com isso, achamos moléculas diferentes das até então registradas na literatura mundial e encaminhamos um relatório para a Receita Federal", afirmou o pesquisador.
O professor acrescentou ainda que um novo relatório é realizado para que a Anvisa seja comunicada sobre a nova composição molecular do novo canabinoide apreendido, para que seja incluído em uma lista de substâncias proibidas no Brasil.
"Foi importante descobrir essa nova droga sintética a partir da identificação das novas moléculas, feitas em laboratório [por traficantes], justamente para burlar a lista de substâncias proibidas da Anvisa. Agora, essa substância pode ser catalogada e incluída na relação de itens proibidos no país", afirmou o especialista à reportagem, na tarde de quarta.
O professor acrescentou ainda que, aparentemente, a ideia dos traficantes é a de que a nova droga apreendida seria consumida de forma oral, diluída em água, ou por meio de comprimidos.
A UFPR começou neste ano uma parceria com a Receita Federal, realizando análise não só de drogas, mas também de medicamentos e outros produtos, para verificar se são feitos de forma autorizada no Brasil.
Além das análises, a parceria também ajuda para a atualização de cães farejadores, que agora serão treinados para encontrar com maior facilidade a nova droga, em eventuais postagens futuras vindas do exterior.
"A perspectiva é de que a parceria traga bons frutos tanto para Receita Federal, que poderá aperfeiçoar a detecção de substâncias ilícitas em remessas internacionais e impedir o tráfico de drogas internacional, quanto para a UFPR que poderá proporcionar aos estudantes de graduação e de pós-graduação acesso a uma variedade maior de matérias-primas para realização de análises", diz trecho de nota da Receita Federal.
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