O mundo convive com a Covid-19 há mais de um ano e meio, mas para os cientistas, ainda há muito a descobrir sobre a doença. Além dos efeitos que o público já conhece, como falta de ar e sintomas gripais, a infecção pelo vírus Sars-Cov-2 pode desencadear problemas mais raros, que podem ser duradouros.
Um destes é a síndrome de Guillain-Barré (SGB), em que o sistema imunológico responde a uma ameaça externa atacando células do sistema nervoso. Ela geralmente se manifesta através de dores e formigamento nos pés, que podem subir até as pernas e, menos frequentemente, à parte superior do corpo. O paciente pode sentir fraqueza, ou, em casos mais graves, paralisia.
Casos assim foram identificados em pacientes de Covid-19 logo no início da pandemia —a síndrome é rara, mas já era conhecida por afetar pessoas com outras infecções virais e bacterianas de forma similar ao que acontece com o novo coronavírus.
Agora, especialistas encaram suspeitas de que algumas vacinas contra a Covid-19 também poderiam levar à SGB. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) foi notificada de 35 destas suspeitas até o final de julho, e pediu, em nota, para a doença ser incluída na bula como efeito adverso raríssimo dos imunizantes. A Janssen já atendeu à demanda.
Marcos Yu Bin Pai, médico especialista em dor e acupuntura, diz que “há evidências de que a SGB é uma reação auto-imune, em que o corpo produz anticorpos direcionados à mielina, [tecido] que protege os nervos”. As vacinas podem desencadear a reação pois “tendem a acelerar o sistema imunológico, o que poderia estimular os anticorpos a reconhecerem células do corpo como estranhas”.
Um efeito similar já foi comprovado após a vacina da gripe. Com os imunizantes da Covid-19, no entanto, pouquíssimos casos suspeitos foram identificados, e ainda não é possível comprovar esta relação.
O neurologista Hennan Salzedas Teixeira tranquiliza: “Geralmente os casos [da SGB] são leves a moderados, com boa recuperação”, diz. “Os casos que implicam em sequelas graves e mortes são muito pouco frequentes”.
Benefícios da vacina são relevantes
Todo ano, a cada 100 mil pessoas, cerca de três desenvolvem a síndrome de Guillain-Barré. A vacina da gripe provoca este problema em até duas pessoas a cada milhão
de imunizados.
Embora especialistas ainda não tenham descoberto tal proporção no caso da Covid-19 e seus imunizantes, os efeitos positivos para a saúde individual e a proteção de todos ao redor provocados pelas vacinas são muito mais relevantes, segundo médicos, do que a possível relação ao risco de ter a SGB.
Mas, para quem deseja ficar atento aos sintomas após a primeira ou segunda dose, vale detalhar: os sinais da doença costumam aparecer 48 horas após a vacinação. Além de formigamento, dor nos membros inferiores e fraqueza, visão dupla e dificuldade ao andar também podem surgir nos pacientes.
A grande maioria dos casos é leve, e o tratamento geralmente consiste em neutralizar os anticorpos “rebeldes”, que estão atacando o sistema nervoso, com anticorpos de uma pessoa saudável.
Síndrome de Guillain-Barré - saiba mais
O que é?
A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma doença autoimune que faz o sistema imunológico atacar as células nervosas do corpo.
Ela pode causar:
- Formigamento e perda de sensibilidade nos membros inferiores
- Fraqueza crescente
- Dor e queimação
- Paralisia, em casos graves
- Visão dupla e dificuldade ao mover os olhos, engolir, falar ou mastigar, e menor controle da bexiga e funções intestinais
Diagnóstico
- Avaliação clínica e neurológica
- Análise laboratorial do líquido cefalorraquiano (envolve o sistema nervoso central)
- Eletroneuromiografia (avalia lesões no sistema nervoso periférico)
Frequência
A cada 100 mil pessoas em todo o mundo, entre 2 e 4 desenvolvem a doença todos os anos
É grave?
A maioria dos casos são de leves a moderados, com recuperação total em 50% dos pacientes
Tratamento
- Infusão de altas doses de gamaglobulina endovenosa
- Plasmaferese (método de filtração do sangue)
- Fisioterapia
A síndrome e a Covid-19
- A doença costuma aparecer quando uma pessoa é infectada por uma bactéria, ou um vírus, como é o caso de doenças como zika, dengue e a própria Covid-19
- A Anvisa foi notificada sobre casos suspeitos da SGB após a imunização com as vacinas contra o novo coronavírus, como AstraZeneca, Janssen e Coronavac
- A SGB é uma complicação já conhecida da Covid-19, mas especialistas ainda não tem certeza de sua associação com as vacinas
- No entanto, já foram relatados casos de pacientes que desenvolveram SGB após a imunização contra a influenza (gripe)
- Até o momento, cerca de 35 casos suspeitos de SGB pós-vacina foram notificados à Anvisa
SGB x outros efeitos
- Vacinas contra a Covid-19 podem ter uma variedade de efeitos adversos, como dor no braço, leve inchaço e vermelhidão, que duram até 48 horas após a imunização
- Já os sintomas da SGB surgem após 48 horas; começam geralmente nos pés, e evoluem para as pernas.
Precaução
Embora as chances de desenvolver a síndrome após contrair o novo coronavírus sejam raras, e mais ainda após a vacina, o imunizante da Janssen já traz a SGB como possível efeito adverso raríssimo. A Anvisa já solicitou a inclusão da síndrome na bula de outras vacinas
Fontes: Hennan Salzedas Teixeira, neurologista do ICNE (Instituto de Ciências Neurológicas); Marcus Yu Bin Pai, médico especialista em dor e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo); Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)
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