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Baterias do samba de SP se reúnem para ajudar ritmistas na crise

Músicos perderam renda com interrupção de shows e eventos e agora dependem das doações

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São Paulo

A Covid-19 silenciou temporariamente as baterias das escolas de samba da capital paulista, mas tem feito seus integrantes usarem a solidariedade como instrumento para atravessar, dignamente, a pandemia.

O Bateria Solidária nasceu há pouco mais de um mês para dar força a quem sempre levantou o Anhembi e as quadras espalhadas por São Paulo. Mestre Higor, da Acadêmicos do Tatuapé, lançou no grupo de seus pares a ideia de arrecadar mantimentos para os ritmistas que, com a proibição de shows e eventos, perderam renda. Muitos deles tinham na música sua única forma de sustento.

"Tinha uma conversa entre alguns mestres de bateria para auxiliar aqueles que tanto nos ajudam no dia a dia. O sentido era de conseguirmos reunir o maior número possível de pessoas para colaborar, independentemente de ser do carnaval ou não”, afirma Higor.

Sombra (dir.), da Mocidade Alegre, Vitor Veloso, da Estrela do 3º Milênio, e Rafael Paulo, da Rosas de Ouro (esq.), no barracão da Tom Maior na Fabrica do Samba, na Barra Funda - Rubens Cavallari/Folhapress

Acostumados a liderar músicos e a sincronizar batidas com gestos cheios de energia, 34 mestres de bateria atenderam ao chamado e arregaçaram as mangas para evitar que seus comandados passassem fome durante essa fase tão crítica. “Tudo parou da noite para o dia. As pessoas eram muito ligadas ao carnaval. Fora a parte financeira, o psicológico é afetado também”, diz Higor.

A estimativa é de que cerca de 5.000 pessoas estejam ligadas diretamente às baterias das escolas de todos os grupos na capital.

Mestre Vitor Velloso, da Estrela do Terceiro Milênio, é um dos integrantes do grupo solidário. “É um momento realmente muito complicado. Se a pandemia não der uma trégua e piorar ainda mais, caso não tenha o carnaval de 2022, será uma situação muito complicada não só para a comunidade, mas para as escolas também”, explica.

Diante de tanta dificuldade, Velloso faz um apelo a todos. “O povo que gosta realmente do carnaval, que tem uma condição financeira melhor, que ajude e faça alguma doação”, diz.

“Também está chegando o inverno e estamos pensando em arrecadar cobertores e agasalhos. Quem puder deve ajudar. O caminho é esse”, afirma.

‘Quadras estão fechadas’, diz Mestre Sombra

Mestre Sombra é conhecido por comandar a bateria Ritmo Puro da Mocidade Alegre, capaz de fazer as famosas “paradinhas” que ficaram marcadas na história do carnaval paulistano. Atualmente, o silêncio tem trazido preocupação. “Desde que se teve a apuração de 2020, não se abriu a quadra para nenhum evento, a não ser lives beneficentes”, afirma.

Muitos ritmistas que se apresentavam sob a batuta de Sombra também desempenhavam atividades remuneradas no barracão da escola. “Fora os que trabalhavam fora e, por causa da pandemia, estão desempregados”, diz.

O mestre da bateria da Mocidade Alegre afirma que as incertezas a respeito do futuro também preocupam e que é difícil alguém conseguir se manter com um auxílio emergencial de R$ 100.

Sombra lembra que, antes e depois dos desfiles, independentemente do pavilhão de cada um, o espírito de paz deve prevalecer e que isso é evidente no Bateria Solidária. “Com a crise, está mais difícil. Estamos correndo atrás, fazendo de tudo para ajudar nossos ritmistas”, diz.

Mickael Aparecido dos Santos, 21, diretor de bateria da Estrela do Terceiro Milênio, retira uma cesta básica que ele recebeu do programa Bateria Solidária - Rubens Cavallari/Folhapress

Integrantes perdem emprego e até chance de se apresentar

Diretor de bateria da Mocidade Alegre, Rodrigo Luis Ribeiro de Oliveira, 33 anos, trabalhava havia dois anos como pintor na área de manutenção de um hotel na zona norte da capital. Segundo ele, a ideia inicial dos responsáveis era dar férias para os funcionários e, quando não houvesse mais pandemia, chamá-los novamente. Mas o coronavírus persiste. “Infelizmente, todo mundo foi mandado embora. Afetou bastante a minha renda”, afirma.

Oliveira explica que nunca quis ter ganho financeiro com o carnaval, sempre visto por ele como um hobby. Mesmo que quisesse usar seus conhecimentos musicais, não teria bares e shows para se apresentar. Diante das dificuldades e com mulher e filho de dois anos, o ritmista da Mocidade partiu para trabalhar como Uber e motorista particular. “Nessa, estou até hoje. Infelizmente, também não está fácil.”

O diretor de bateria conta que os integrantes das escolas são muito solidários e que ele próprio já recebeu auxílio de outras agremiações. “Os mestres tentam ajudar até a conseguir emprego, mas está difícil também.”

Sem lugar para levar o samba em frente, o diretor de bateria da Estrela do Terceiro Milênio Mickael Aparecido dos Santos, 21, também depende agora d as cestas básicas do programa criado pelos mestres. “Trabalho com música, toco em grupo. Normalmente, fazia três ou quatro apresentações por semana. Fechou tudo”, diz.

A situação levou o integrante da agremiação do Grajaú a se virar em casa, ao lado da mãe. “Ela também ficou desempregada e, de terça a domingo, a gente vende marmitex na garagem”, diz.

A coronavírus não afetou apenas a renda da família. Também contaminou a mãe de Santos há dois meses, que sobreviveu à Covid-19. “Todo dinheiro era para comprar remédios, frutas, tudo o que ela precisava”, diz.

Psicóloga participa do projeto

Não apenas cestas básicas e apoio material têm servido de suporte aos ritmistas das escolas de samba da capital paulista. O Bateria Solidária conta também a ajuda da psicóloga Maria Emília Volqartt Fratus, que já atuava na Unidos de Vila Maria e agora colabora no projeto.

Maria Emília afirma que a pandemia trouxe consigo quadros de ansiedade e depressão, fazendo textos para o Instagram do projeto e participando de lives relacionadas aos temas. “Muitas pessoas perderam o emprego, estão isoladas em casa. Não têm mais um lazer, uma válvula de escape. Encaram esses problemas sem prazer na vida”, diz. Violência doméstica e conflitos familiares são agora mais frequentes.

Segundo a psicóloga, quem vivia o samba e frequentava as quadras perdeu essa possibilidade de convívio em comunidade. A participação no Bateria Solidária é vista como um ajuda em meio à crise. “É uma forma de acolhimento, de alento. Numa situação tão difícil, as pessoas se sentem abandonadas.”

Doação pode ser feita pela internet

Não é preciso ser sambista ou frequentar as quadras das escolas para colaborar com o projeto Bateria Solidária. As pessoas interessadas em participar da ação social podem entrar em contato pela conta do Instagram @bateriasolidaria ou doar pelo site http://www.realcestas.com.br/entidade/bateria-solidaria . Já no sábado (15), das 11h às 16h, o sambódromo do Anhembi terá a Carreata Carnaval Solidário. Quem quiser contribuir com ao menos 1 kg de alimento não-perecível atravessará de carro a passarela do samba e fará a sua doação como em um drive-thru.

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