Descrição de chapéu Opinião

A bola é um detalhe: Djalma, um grande lateral

Brindemos, com leite de onça, o grande Sabiá

São Paulo

Foi nos anos 1950 que Djalma Santos começou a construir sua figura como um dos maiores laterais de todos os tempos. Colocando nos lances mais banais “toda a paixão de um Cristo negro”, como descreveu o cronista Nelson Rodrigues, mostrou talento na Portuguesa e ganhou espaço na seleção brasileira.

Mais ou menos nessa época, sem o mesmo cartaz, outro Djalma também fazia um bom papel como lateral. Era um jogador de canelas finas, que não chegava a preocupar os adversários como arma ofensiva, porém era implacável na marcação em suas peladas no Rio de Janeiro.

“Certa vez, o técnico do time adversário ficou tão irritado com seus atletas, que invariavelmente perdiam a bola, que gritou: ‘Dá uma porrada nesse perna de sabiá. Esse cara está tirando onda com a gente, ninguém passa por ele’”, relatou Leonardo Bruno, no livro “Explode, Coração — Histórias do Salgueiro”.

Djalma Sabiá (13/5/1925-9/11/2020), baluarte do Salgueiro
"Adeus, Baobá. Adeus, meu Bengo, eu já vou", cantou o Salgueiro, em 1964, no maravilhoso "Chico Rei" de Djalma Sabiá, Geraldo Babão e Binha - Alex Nunes/Divulgação

O apelido pegou, e Djalma Sabiá o carregou com dignidade até o último dia de sua vida, na última segunda-feira. Seus 95 anos não foram suficientes para colocá-lo entre os melhores laterais de todos os tempos, mas deixaram uma marca na história do Carnaval.

Filho de uma porta-bandeira, casou-se com duas. Entre um amor e outro, fundou a Acadêmicos do Salgueiro e compôs seis sambas de enredo da escola bebericando outra de suas criações, o leite de onça —mistura de leite condensado, leite de coco e cachaça.

Se o drinque fez sucesso, não foi essa batida que o imortalizou. Gente que entende do riscado, como Martinho da Vila, aponta o “Chico Rei” cantado pelo Salgueiro em 1964 como o mais bonito entre todos os sambas de enredo.

A letra de Sabiá é um espetáculo de coesão, uma linda poesia que passa perfeitamente por prosa se ignorada a divisão dos versos. Falta neste texto talento semelhante para homenagear um Djalma que, mesmo com a qualificada chancela de Martinho, merece muito mais crédito do que geralmente recebe.

Marcos Guedes
Marcos Guedes

33 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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