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A bola é um detalhe: O retrato da distância

Neymar é a mais bem acabada explicação para o abismo entre o povo e a seleção do Brasil

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São Paulo

Marcelo Adnet, ainda no tempo em que fazia um humor de baixíssimo orçamento na MTV, criou uma esquete na qual brincava sobre as prioridades do atleta da seleção brasileira de futebol. Caricato, o jogador sincero demorava a entender ao ser questionado sobre a equipe nacional.

“Uma de amarelo, né? Aí é com o torcedor. Nós estamos aqui para garantir o nosso. Eu mesmo não vou ao Brasil tem mais de oito anos. Trabalho na Europa, graças a Deus”, diz o craque, que celebra sua vida de “muito dinheiro e muitas mulheres” antes de concluir: “Na verdade, não estou nem aí para o Brasil”.

O quadro foi apresentado há mais de dez anos, mas a piada continua valendo. De lá para cá, o Brasil recebeu uma Copa do Mundo e ganhou um atacante extremamente talentoso, sem que diminuísse o abismo entre a seleção do país e seu povo.

O retrato dessa distância é justamente aquele que se estabeleceu como o principal nome do time na década que acaba de terminar. Neymar só não é exatamente o personagem de Adnet porque lhe falta a sinceridade.

O craque, é verdade, também se difere do boleiro da esquete por estar sempre no Brasil. Ele adora promover festanças em sua mansão, como pretendia fazer novamente no Ano-Novo.

Segundo imprensa esportiva, festa de fim de ano de Neymar deve reunir 150 pessoas
Neymar deveria adotar a sinceridade do Adnet da anedota - AFP/BBC News Brasil

Não haveria problema nenhum, nenhum mesmo, se o país, aquele amarelo, né?, não estivesse chegando a 200 mil mortos pelo novo coronavírus. Nessa situação, reunir a (enorme) bolha de parças e ignorar as críticas só seria possível com o descaro do jogador sincero.

Mas Neymar não tem a coragem do Adnet da anedota. Como a repercussão da festinha foi péssima, o camisa 10 fingiu que não era com ele e se viu obrigado a cancelar os planos.

Uma pena. Não, claro, que a celebração irresponsável não tenha ido adiante. Mas que o grande nome da seleção nacional não tenha a bravura de admitir: “Não estou nem aí para o Brasil”.

Ao menos ficaria mais fácil responder a quem pergunta por que povo e seleção andam tão distantes.

Marcos Guedes
Marcos Guedes

36 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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