A vida acaba aos 40. Para quem se cuidou a vida inteira e ainda teve a sorte de driblar as lesões. Para a imensa maioria, acaba ainda antes.
O começo, invariavelmente muito jovem, é incerto. Certo é que, antes do glamour de subir o túnel como profissional, há muitas horas contabilizadas em trens, ônibus, lotações, deslocamentos para peneiras. Gastando o suado dinheiro próprio, ou emprestado dos pais, com as próprias luvas e chuteiras.
Muitas peneiras, saltos, pulos e defesas em terrões, pastos, sintéticos e, mais raro, até gramados. E, após vários nãos, tem de manter a mente sã para agarrar o sim que vier, de onde vier, na condição que vier. Recomeçam os treinamentos.
Treinos que são como convocações militares obrigatórias independentemente de aniversário, feriado. Até rolar nova dispensa. E, com o físico intacto e o coração estraçalhado, recomeçar as peneiras. Finais de semana inteiros a serviço do jogo em questão de olho na partida para o futuro.
Sonhar não custa nada só no samba-enredo. Para a mocidade, custa a própria mocidade! Custa abrir mão de festinhas com amigos, a mudança para o turno noturno de outra escola, a responsabilidade e compromisso de ser adulto ainda criança.
Custa o preço que nem todos os adultos têm estrutura emocional para aguentar, sem a contrapartida do salário, da independência, do reconhecimento profissional. Isso em mundo subterrâneo com apadrinhamento, favorecimento, sacanagem e escolhas que fogem do controle do menino.
Nunca foi fácil ser jogador de futebol. Para cada história de superação e sucesso, há milhares de crianças que voltam revoltadas, frustradas e mal formadas à sociedade após perderem anos de frequência escolar e convívio familiar, ausências agravadas, muitas vezes, com a pressão de dar certo para resolver a vida econômica dos parentes, agregados e a própria.
Pouco menos de cinco anos antes de ser pai, virei padrinho. Não sei se Marcelo, o melhor afilhado do mundo e goleiro esforçado e talentoso, que faz 17 dia 5, virará profissional como sempre foi seu sonho. Como o meu filho e primo do Marcelo sonha em ser lateral. Como sonham os filhos e afilhados dos outros. Mas sei, desde os 17, quando passei o mesmo que Marcelo, que é desumano se aproximar da maioridade sabendo que é agora ou nunca. E o agora não depende só de si.
Jean-Paul Sartre: "O inferno são os outros".
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