Descrição de chapéu Opinião

A bola é um detalhe: Redes sociais não são a torcida

Confusão já existia, mas aumentou com a ausência de público nos estádios

São Paulo

Sempre foi um tanto etéreo, impalpável, o conceito do que é uma torcida, mas décadas de construção de uma identidade coletiva permitem o estabelecimento de algumas noções. O corinthiano, por exemplo, valoriza a raça em detrimento de outras qualidades e tem uma relação particular, quase de apreço, com a dor.

É evidente que essa identidade não é estática, e o alvinegro de 2021 certamente não é o mesmo forjado há cem anos, à imagem e semelhança do craque Neco. De qualquer maneira, o protótipo “maloqueiro e sofredor” encarnado pelo primeiro ídolo continua a guiar a figura que o torcedor do Corinthians faz de si próprio e espera ver representada dentro de campo.

A manifestação de tudo isso sempre se deu no estádio. É na interação de uma torcida com seu time e até consigo mesma —sobretudo no caso preto e branco— que a representação coletiva dos apoiadores de uma equipe mostra sua cara, seus apreços, seus ódios.

A torcida do Corinthians é isto... - Rodrigo Coca/Ag. Corinthians

De uns anos para cá, porém, ao menos na narrativa adotada pela imprensa, as redes sociais parecem ter sequestrado da arquibancada o lugar em que o ato de torcer é praticado. Claro, isso se potencializou com a ausência de público nos campos por causa da pandemia, mas a questão é anterior ao coronavírus.

“A gente acompanha pelas redes, e a torcida está dizendo tal coisa”, afirma o repórter, entrevistando o treinador após a partida, em vez de simplesmente observar a reação do público com os próprios olhos.

Os dirigentes contribuem com essa distorção, baseando contratações e demissões no termômetro das redes, como se elas fossem uma representação fiel da realidade. Não são. Se fossem, Jair Bolsonaro seria um gênio. Não é.

Montagem de redes sociais em campanha para Renato Gaúcho aceitar ser técnico do Corinthians
... não isto - Montagem/Reprodução

Se é inegável a influência dos meios modernos de comunicação, chega a ser ridículo resumir uma torcida, qualquer uma, a um punhado de “hashtags”. Nem tudo —ou quase nada— é de verdade no mundo virtual, como perceberam os novos seguidores de Carol Portaluppi no Instagram.

Marcos Guedes
Marcos Guedes

33 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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