— Chefe, viu os jogaços da Liga dos Campeões da Europa?
— Eu, não. Eu que não vou perder tempo com essa bobagem.
— Bobagem, nada. Só jogão! Cada craque, golaços, chefe.
— Também, com o dinheiro que os europeus têm é teta!
— Não é bem assim, também. A grana ajuda. Mas tem a tradição, o clima, a torcida no campo.
— Que mané torcida! Os caras fazem aquele teatro pra vender lá pra chinês, japonês e africano ver, não tão nem aí para quem vai no campo.
— Não é verdade, chefe, os estádios estão sempre lotados.
— Não tô entendendo: o que está insinuando? Que eles são melhores do que a gente? Que não sabemos organizar nem vender a Libertadores?
— Não, não é isso...
— Não, uma pinoia. Você quer copiar, então vamos lá. Como é a final lá? Ida e volta?
— Não, chefe. É um jogo só.
— Na casa de quem fez a melhor campanha, né?
— Não, é um campo neutro, escolhido antes da competição.
— E dá certo?
— Claro.
— Então, beleza, vamos copiar.
— Mas chefe...
— Não tem mais, nem menos, vamos fazer igual.
— Mas lá é diferente...
— Ué, não é você que achava tudo lá o máximo?!
— É o máximo para eles, mas é diferente da gente.
— Por quê? Somos piores?
— Não.
— Então, pronto: a final vai ser, sei lá, em Madri.
— Mas Madri é na Europa...
— Eu falei Montevidéu. Mon-te-vi-déu: tá surdo?
— Mas chefe, se não tiver uruguaio na decisão, será que a torcida local vai se interessar?
— Ué, na Europa eles não se interessam e acham o máximo...
— É diferente. Os turistas compram antes os ingressos e querem ver a final, tanto faz os times. Aqui, cada torcida tem interesse no seu time e não vai viajar para outro país para ver jogo de dois times aleatórios.
— Mas se lá eles viajam...
— Mas lá, chefe, a renda per capita é outra, a estrutura é outra, as distâncias são menores, a oferta de trens, de voos e hotéis é outra... Aqui complica. Imagine, sei lá, um Flamengo x Palmeiras em Montevidéu, não é para todo o mundo.
— Melhor ainda. A gente cobra uma fortuna e quem for paga por quem não vai e tá decidido!
— Brilhante, chefe!
Eduardo Galeano: "Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno".
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