Restaurante troca picanha por acém para driblar alta da carne

Mudança no cardápio é uma das estratégias para não repassar aumento aos clientes

Ana Lívia Faria Clayton Castelani
São Paulo

Restaurantes de São Paulo estão subindo preços, substituindo pratos e até tirando cortes de churrasco do cardápio para driblar a disparada dos preços das carnes, relatam funcionários e proprietários de 15 estabelecimentos que conversaram com a reportagem. 

Puxada pelo aumento das exportações para China, a inflação das carnes avançou 8,09% em novembro em todo o país, alcançando 10% na capital paulista. 

“Trabalhávamos com baby beef, alcatra e picanha. Hoje é costela, coxão duro e acém”, conta Amari Ribeiro Barbosa, proprietário de um restaurante por quilo na Penha (zona leste). 

 

Na Vila Alexandria (zona sul), a criação de um cardápio especial de fim de ano foi a alternativa escolhida por Noêmio Guedes para manter abastecido o balcão térmico do seu restaurante a quilo. “Estamos aproveitando a época natalina para comprar produtos como tender e peru”, conta. “Hoje teve bisteca e cordeiro.”

Antes de oferecer receitas festivas, Guedes já tinha retirado da gôndola alguns cortes bovinos. “Picanha e filé mignon paramos de servir”, disse o empresário, que já pensa em desistir do ramo em que trabalha há 17 anos. 

Substituições não são possíveis na maior parte do cardápio do restaurante de Eugênia Lima Castilho, em Cidade Patriarca (zona leste). “Nos pratos à la carte não podemos trocar o tipo de carne”, conta. “Aí, aumentamos o preço dos pratos: de R$ 32,50 para R$ 34,90, no filé mignon à parmegiana, e o da picanha foi de R$ 42 para R$ 45”, diz.

A chuleta deu lugar ao frango na lanchonete no Butantã (zona oeste) gerenciada por Marcos Rabelo. “Não tem mágica, se eu acompanhasse esse preço [da carne], o prato de R$ 17 iria para R$ 34 e o cliente não comeria.” 

 
Com clientela sensível a variações nos preços dos espetinhos vendidos em seu bar no Tatuapé (zona leste), Henrique Millet recuou do aumento que havia aplicado aos produtos feitos com carne de primeira. “Teve uma queda nas vendas e aí voltei atrás”, conta. “Meu lucro caiu em torno de 30%”, lamenta. 
Homem manipula espetos sobre uma grelha
Henrique Millet manteve as opções de espetinhos com carnes nobres, mas não conseguiu repassar o custo para os clientes; a lanchonete reduziu a margem de lucro em 30% - Bruno Santos/Folhapress

Tem até churrascaria que abandonou o churrasco para virar um restaurante convencional. “Paramos de trabalhar com cortes de churrasco, ficamos só com as opções tradicionais de restaurante: picadinho, frango, essas coisas mais comuns”, conta o funcionário de um estabelecimento que fica na Grande São Paulo. “Sou churrasqueiro e já estou quase desempregado”, comenta.

Trocas de cortes nobres por opções mais baratas ou aumentos nos preços não configuram desrespeito ao consumidor, desde que as alterações sejam comunicadas ao cliente, afirma Renata Reis, coordenadora de atendimento do Procon-SP. 

“Um restaurante que tem churrascaria no nome e deixa de oferecer carne assada precisa divulgar isso de forma ampla, porque o cliente que sai de casa e vai até o local vai se sentir lesado”, comenta Renata. “A comunicação deve ser ostensiva, na porta e no cardápio.”

A crise nos preços, porém, não deverá provocar demissões em churrascarias, segundo Rubens Fernandes da Silva, secretário-geral do Sinthoresp (sindicato dos trabalhadores em hotéis e restaurantes de SP). “A procura, principalmente por churrascarias, é muito alta nesta época do ano”, comenta. “O que nós poderemos observar são algumas mudanças no cardápio e aumentos nos preços.”

Para André Braz, coordenador do IPC do FGV-Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o período de festas sustentará a alta da carne neste fim de ano, mas os preços devem recuar em 2020. “Isso não é sustentável porque o próprio consumidor vai responder e o mercado vai se ajustar. Só a redução do consumo vai colocar um limite nos preços.”

Fogão vai para o escritório para diminuir gasto com refeições fora

Trocar a carne bovina por frango não bastou para a analista financeira Heloísa Duarte, 32 anos. Para gastar menos, ela e os colegas improvisaram um refeitório no local de trabalho. “Há 20 dias que fizemos uma vaquinha e adquirimos um fogão no escritório”, conta. 

Nos dias em que almoça no restaurante, ela abre mão do prato preferido. “Costumávamos comer uma parmegiana, que passou de R$ 27 para R$ 34. Agora, em vez de comer da de carne, comemos a de frango.”

Duas mulheres fazem refeição em restaurante
No restaurante, a analista financeira Heloísa Duarte (à esquerda) trocou a carne pelo frango e, para reduzir o gasto com a alimentação fora de casa, participou de uma vaquinha para comprar um fogão para o escritório - Bruno Santos/Folhapress

Para o gerente de produção Sidney Retamero, 54 anos, nem adianta colocar menos carne no prato para tentar gastar menos. “O almoço custava em torno de R$ 35 o quilo, e foi para R$ 40, mas não sei se foi por conta da carne. Senti essa diferença este mês”, relata.

Gastar mais com a conta do restaurante no final do ano não é surpresa para assessor parlamentar Fábio Zecchini, 47 anos. “Sim, tenho percebido o aumento nos açougues e supermercados, mas no caso dos restaurantes, em geral, nesta época do ano, eles já aumentam o valor por causa das confraternizações.”

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