Preconceito contra trabalhador pode dar direito à indenização

Vítima de discriminação deve recorrer à Justiça trabalhista; testemunhas e provas são essenciais

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Flavia Kurotori
São Paulo

O trabalhador que sofre algum tipo de preconceito no trabalho pode ter direito à indenização por dano ou assédio moral. Para isso, é necessário recorrer à Justiça trabalhista.

Weslley Conrado, advogado trabalhista do escritório Stuchi Advogados, explica que o objetivo da indenização é compensar o dano moral. A defesa pode solicitar quantia equivalente a até 50 vezes o salário do trabalhador, conforme prevê a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), mas cabe ao juiz determinar o valor final da ação, explica ele.

Ainda que a Justiça do Trabalho tenha utilizado tratados internacionais e a própria CLT, depois da reforma trabalhista de 2017, atos discriminatórios são passíveis de multa que tem como base o teto do INSS.

Reforma trabalhista prevê multa em caso de discriminação; base é o teto do INSS
Reforma trabalhista prevê multa em caso de discriminação; base é o teto do INSS - Gabriel Cabral/Folhapress

Para decidir a favor das vítimas, Conrado afirma que as testemunhas são peça fundamental. Caso elas se neguem a depor por medo de represálias, apresentar provas da discriminação é essencial.

“Atualmente, é importante gravar tudo com o celular”, explica o advogado. Além disso, é possível apresentar documentos, como emails e troca de mensagens discriminatórias, além de fotos e gravações de áudio.

Um exemplo de decisão em favor do trabalhador vem da 2ª Vara do Trabalho da Comarca de São Bernardo do Campo (ABC). Em junho, a Justiça determinou que a CSI Logística, terceirazada da Bombril, sediada na mesma cidade, pagasse R$ 50 mil de indenização a um ex-funcionário que provou ter sido vítima de injúria racial —discriminação pelo fato de pertencer a um determinado grupo racial ou étnico.

Ele era operador de empilhadeira e foi vítima de discriminação racial enquanto trabalhava. O trabalhador morreu de Covid-19 no decorrer do processo e os herdeiros receberão a quantia. A causa foi ganha graças ao depoimento de testemunhas sobre o caso.

Além da Justiça do Trabalho, a empresa também pode responder criminalmente, já que o MP (Ministério Público) foi acionado.

Em nota, a Bombril reforça que o trabalhador em questão nunca foi empregado da companhia. "O mesmo era colaborador de empresa prestadora de serviço na área de logística, cujo contrato foi rescindido ao final de 2020. Ocorreu a demissão, pela CSI, do trabalhador acusado da prática dos atos discriminatórios, tendo ocorrido forte cobrança da Bombril com relação à observância do Código de Ética da companhia, que não tolera qualquer tipo de preconceito ou discriminação de qualquer natureza", justifica.

A empresa sediada em São Bernardo do Campo acrescenta que não possui nenhuma condenação na Justiça do Trabalho relacionada à prática de racismo, e que adota rigorosas políticas que vedam qualquer tipo de postura discriminatória no ambiente de trabalho, e também no relacionamento com parceiros e clientes.

Por fim, o comunicado enviado pela assessoria de imprensa da marca assinala que a Bombril foi responsabilizada de forma subsidiária (secundária) pelo pagamento de indenização somente em função da terceirização de serviços.

O Agora não conseguiu contato com a CSI Logística até a publicação desta reportagem.

Racismo estrutural é culpado por discriminação

Pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Sandro Pereira Silva avalia que um dos reflexos do racismo estrutural —arraigado na estrutura da vida política, econômica, social e jurídica do Basil— é a discriminação no mercado de trabalho.

“Ainda vivemos um fosso estrutural de desigualdade que é expresso nas relações raciais e precisamos ter ações mais ativas para eliminar ou estabelecer uma nova trajetória de equalização”, afirma ele.

Para o estudioso, a questão reflete não apenas no tratamento de negros dentro do ambiente de trabalho, mas também no nível de empregabilidade desta população, que é maioria nos postos informais

Preconceito no ambiente de trabalho | O que fazer

Ser vítima de preconceito no trabalho, seja por parte de colegas ou da chefia, pode ser considerado crime

A vítima pode processar a empresa ou o colega de trabalho que comete a agressão por dano ou assédio moral, e também ter direito a indenização

Confira cinco situações

Todos os casos abaixo são passíveis de indenização e se enquadram como dano ou assédio moral, com exceção do racismo, que possui lei própria

As situações classificadas como passíveis de indenização são baseadas na jurisprudência, ou seja, em casos anteriores nos quais a Justiça decidiu a favor da vítima

Ações discriminatórias podem gerar indenização caso sejam provadas
Ações discriminatórias podem gerar indenização caso sejam provadas - Gabriel Cabral\Folhapress

Ao levar ao Judiciário qualquer caso de preconceito, a recomendação é reunir testemunhas e provas

Dentre as provas que podem ser levadas estão gravações de áudio ou vídeo, por exemplo

1 - Racismo
O que é?
Discriminação contra um determinado grupo racial ou étnico, tipicamente marginalizado ou uma minoria

2 - Injúria racial
O que
é? Discriminação pelo fato de a pessoa pertencer a um determinado grupo racial ou étnico
Ao contrário do racismo, trata-se de uma ação contra um indivíduo específico

3 - Gordofobia
O que é? Preconceito sobre as características físicas, além dos hábitos e personalidade de uma pessoa gordaTambém se caracteriza como discriminação contra indivíduos com sobrepeso ou obesos

4 - ​LGBTfobia
O que é? Ódio ou rejeição de pessoas que pertencem à comunidade LGBTQIA+, composta por pessoas que são gays ou lésbicas, entre outros

5 - Xenofobia
O que é?​ Discriminação contra pessoas por causa de sua região ou país de origem

Como denunciar?

A denúncia pode ser feita ao MPT (Ministério Público do Trabalho) por meio do site www.mpt.mp.br

Também é possível registrar a queixa pelo aplicativo MPT Pardal, disponível para os sistemas Android e iOS

>>Para fazer a denúncia no site do MPT
1 - Acesse www.mpt.mp.br
2 - Clique em “Denuncie”, no fim da tela
3 - Selecione o estado onde a empresa (ou o funcionário) alvo da denúncia está localizada
4 - Leia os termos, clique em “Estou ciente e desejo oferecer uma denúncia” e selecione “Prosseguir”
5 - Selecione a cidade onde a empresa está localizada e clique em “Prosseguir”
6 - Preencha os campos detalhando o caso, informando dados da empresa e dados pessoais (que são mantidos em sigilo)

Fique ligado
Nesta etapa, também é possível incluir documentos em PDF, fotos (JPG ou PNG), vídeos (MP4) e arquivos de áudio (MP3 ou 3GA) para ajudar a comprovar a denúncia

O que escrever
Forneça detalhadamente os dados para a denúncia
Descreva o caso e os motivos pelos quais considera ter sido vítima de preconceito
Diga que tem provas e que irá apresentá-las conforme a orientação do sistema
Informe o que ocorre, onde ocorre e se há mais funcionários vítimas da ação

7 - Clique em “Cadastrar denúncia”

Denúncia de atos discriminatórios no ambiente de trabalho podem ser feitas pelo aplicativo MPT Pardal
Denúncia de atos discriminatórios no ambiente de trabalho podem ser feitas pelo aplicativo MPT Pardal - Gabriel Cabral/Folhapress


>>Para fazer a denúncia no aplicativo
1 - Abra o aplicativo e preencha os dados pessoais
2 - Clique em “Denunciar”
3 - Clique na imagem da câmera para anexar provas (PDFs, fotos e vídeos, entre outros)
4 - Depois de selecionar os arquivos, clique em “Avançar”
5 - Preencha as informações da denúncia, como descrição e local dos fatos
6 - Clique em “Concluir”

Atenção
Ao denunciar, é importante fornecer o maior número de detalhes possível
O MPT instaura inquérito civil para coleta de provas adicionais apenas caso o órgão veja indícios de irregularidade

Quanto é possível ganhar de indenização
O valor de indenização em causas que envolvem preconceito depende de cada caso
O advogado da vítima pode calcular um valor e fazer o pedido, mas a quantia é estimada pela Justiça
O objetivo desse tipo de pagamento é, além de compensar parte do prejuízo à vítima, evitar que a empresa volte a cometer ou permitir atos discriminatórios
Vale destacar que o valor deve ser pago integralmente, em dinheiro

O que diz a lei
A reforma trabalhista de 2017 definiu multa de 50% sobre o limite dos benefícios do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) —hoje em R$ 6.433,57— caso seja comprovada a discriminação por motivo de sexo ou etnia, além do pagamento das diferenças salariais devidas

Fontes: MPT (Ministério Público do Trabalho), TST (Tribunal Superior do Trabalho) e reportagem

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