Veja o que mudou dois anos depois da reforma trabalhista

Para especialistas, retomada da geração de empregos não é resultado das mudanças de 2017

São Paulo

Caracterizada pela flexibilização de direitos trabalhistas com a justificativa de desonerar as contratações e, como consequência, gerar mais empregos, a reforma da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) do governo Temer completou dois anos em novembro.

A nova CLT instituiu novidades como o trabalho intermitente, a possibilidade da prevalência de acordos coletivos sobre a legislação do país e o fim da contribuição sindical obrigatória.

Para especialistas, o saldo dos dois anos não foi tão robusto quanto esperado. Entre eles, é unanimidade que a gradual recuperação da economia e a lenta geração de empregos não têm relação direta com a reforma.

Levantamento do Depec (departamento de estudos do Bradesco) com dados do Caged (cadastro de empregados e desempregados) aponta recuperação do mercado de trabalho. Os dados mostram que, só em novembro, foram geradas 99 mil vagas formais, mais que o dobro do esperado.

Trabalhadores fazem fila em uma dos mutirões de emprego realizados pelo Sindicato dos Comerciários de SP na capital paulista - Rivaldo Gomes 18.set.2019/Folhapress

As estimativas do Ministério da Economia são de que 2019 se encerre com saldo de 635,5 mil novos postos, 20% a mais que em 2018. Mas, segundo o Depec, mesmo com a evolução significativa das vagas intermitentes, o desempenho da modalidade, um dos "carros-chefe" da reforma, ainda não é expressivo.

Os dados mostram que, em dois anos, apenas uma em cada dez novas vagas criadas é intermitente.
"O trabalho intermitente vem sendo usado, em alguns casos, por empresas que contratam por 15 dias seguidos, com carga diária de 11 horas, ficando dez dias sem trabalhar, e isso não pode", diz Ricardo

Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores). Para ele, se fosse implementada de forma regrada, a contratação intermitente poderia gerar postos importantes. "A oneração ao funcionário que recorre à Justiça do Trabalho também contribuiu para o agravamento desse quadro."

Justiça gratuita

O endurecimento das regras para o direito à Justiça gratuita foi outro ponto trazido pela reforma trabalhista. "O ônus passou a ser do trabalhador que ingressa com a ação. Agora, a parte que perde é quem paga os honorários do processo e há outros critérios, como o teto de R$ 2.600 de remuneração para se ter direito à assistência jurídica gratuita", diz Marcos Lemos, advogado trabalhista.

Segundo o especialista, a medida contribuiu fortemente para a redução dos processos. De 2,6 milhões, em 2017, o montante passou para R$ 1,6 milhão, em 2018. "Isso, além de trazer maior segurança jurídica para o empregador, também faz com que a contratação seja menos cara e menos arriscada", opina. 

Informalidade

Para o especialista, a possibilidade de contratações alternativas, com o contrato intermitente e a terceirização da atividade-fim, foi avaliada como forma de se combater práticas que "burlam" a lei. "Com o excesso de encargos trabalhistas, empresas buscavam táticas de se ter um funcionário de forma mais barata, como o autônomo, através de PJ, que é basicamente um CLT, mas sem pagar encargos. Foram criados mecanismos para reduzir custos de trabalho ao invés de forjar vínculos", diz Lemos.

Estudo do Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) e da Fundação Getulio Vargas mostra que, embora a informalidade continue crescendo, o aumento tem sido menor no último ano. Segundo a pesquisa, a crise econômica iniciada em 2014 gerou a alta da informalidade.

 

"A segurança jurídica dos empresários, gerando mais empregos e investimentos, é determinante para esse cenário", diz Edson Vismona, presidente do ETCO.

No entanto, para o economista, o fator direto é a recuperação econômica do país, e não a reforma trabalhista. "Não dá para negar que a reforma foi um incentivo à formalização do trabalho, pois diminui passivo e processos, mas o determinante são fatores como queda dos juros e da inflação."

​Acordo na demissão

Outra mudança trazida com a reforma foi a possibilidade de acordos na demissão. Nele, o trabalhador deixa de receber os 40% de multa do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) pagos em caso de demissão sem justa causa, e leva 20%. Além disso, fica sem direito ao seguro-desemprego e recebe 50% do aviso-prévio.

A demissão acordada não precisa ser mediada pelo sindicato. "É uma conquista significativa, porque, principalmente em tempos de crise financeira, preserva postos de trabalho", diz Lemos. No entanto, a adesão não "pegou". Segundo ele, foram mínimas as demissões, entre 2017 e 2019, que aconteceram nessa modalidade. "Cerca de 1%", afirma. 

Acordado sobre o legislado

Antes da reforma, as negociações dos sindicatos de funcionários e patrões tinham de respeitar a lei e poderiam estar acima dela desde que garantissem mais direitos. "Isso tornava as contratações mais caras. Com a possibilidade dos acordos coletivos prevalecerem sobre a legislação em vários casos, o empregado não se tornou o item número um a ser cortado na hora de redução de custos", explica Lemos.

Fim da contribuição sindical obrigatória

O fim da contribuição sindical obrigatória está entre os pontos que mais geraram polêmicas na reforma trabalhista. Antes, o desconto de um dia de salário anual era feito de forma automática no contracheque do trabalhador.

Agora, o profissional que desejar contribuir precisa manifestar a decisão por meio de carta enviada ao sindicato, que irá avisar a empresa para descontar o imposto do holerite.

A mudança foi fortemente criticada pelas categorias. "O intuito da reforma trabalhista foi destruir o movimento sindical, que existe para garantir os direitos dos trabalhadores. Acabar com a principal forma de arrecadação foi a forma encontrada pelo governo federal de estrangular a atuação dos sindicatos", diz Wagner Gomes, presidente da CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil).

Assuntos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.