Três meses após o encerramento da Ford de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), ex-funcionários têm dificuldade para voltar ao mercado de trabalho e veem com desesperança uma possível recolocação.
A linha de produção, desativada em outubro, foi o local de trabalho da montadora de autos Ana Márcia Cerqueira, 40 anos, por toda a sua trajetória na planta.
“Entrei em 2013 na fábrica de carros e, depois dos cortes de 2017, passei a intercalar com a fábrica de caminhões. Fui desligada em julho, quando a produção do Fiesta foi encerrada.”
O inspetor de processos Alexandre Ferreira de Oliveira, 45 anos, trabalhou duas décadas e meia na Ford.
“Comecei como embalador de peças e terminei em qualidade, trabalho que me realizava. Fazia todas as inspeções, desde a entrada da linha até a entrega final.”
Ricardo Martins Barbosa, 42 anos, passou cinco anos na planta como operador de rebocador, fazendo o abastecimento de peças.
“Tínhamos uma equipe fantástica na logística da linha final. Infelizmente acabou, mas cresci muito profissionalmente”, afirma.
O analista de logística André Franco, 36 anos, entrou na Ford graças ao pai, que trabalhou como acompanhador de produção por 20 anos na fábrica, até se aposentar em 2009.
“Atuei por 17 anos, sendo 12 anos e meio em terceirizadas, na própria unidade. Foi meu primeiro emprego, toda minha carreira foi construída dentro da Ford.”
As boas lembranças, no entanto, não são a única herança levada pelos ex-funcionários da montadora.
“Estou desempregado, procurando em qualquer área. Neste mês me formo bombeiro”, diz Ricardo.
Para ele, a busca por um novo emprego não é a única dificuldade.
“Sinto muita falta do time de colaboradores. Foi uma experiência horrível ver famílias chorando no último dia, não quero viver isso nunca mais.”
Também desempregado e à procura de uma vaga como mecânico ou em logística, o inspetor Alexandre diz que conseguiu uma renda extra após aprender sobre o mercado financeiro.
“Fiz um curso com um ex-funcionário da Ford e estou praticando em como investir. Futuramente, quero ter meu próprio negócio. Algo no comércio, seguindo padrões de qualidade.”
Problemas de saúde e altos salários são obstáculos
Em dezembro do ano passado, a montadora Ana Márcia Cerqueira passou por cirurgia no ombro devido a anos de trabalho pesado na linha de tapeçaria.
“O tendão estava rompido. Começou como uma tendinite e, com o passar do tempo, acabou se tornando essa lesão.”
O procedimento foi coberto pelo plano de saúde da Ford, hoje custeado por ela com parte do valor que ainda resta da rescisão.
“Não posso me queixar, recebi tudo direitinho, mas o dinheiro uma hora acaba e quem vai querer contratar?”
Ana Márcia, que tem restrição médica (classificação dada a pessoas que têm problemas de saúde relacionados ao trabalho), solicitou auxílio-acidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mas o benefício foi negado.
Para ela, a maior dificuldade ao buscar emprego vai além das questões de saúde.
“Procurei até dezembro, antes da cirurgia. Todas as vezes que eu e outros ex-funcionários fomos às entrevistas, as empresas descartavam a gente por causa do salário acima da média. Não querem te contratar para rebaixar carteira.”
Para a montadora, ainda há esperança de que outra empresa compre a planta da Ford de São Bernardo e que os funcionários demitidos participem do processo de readmissão.
“Quase todo mundo ainda está desempregado e a gente quer se colocar de volta no mercado. Sinto muita falta do ambiente de trabalho, das pessoas como um todo. Espero que um dia possamos voltar.”
Trabalhadores esperam nova compradora
Após meses de negociações, o governador João Doria (PSDB) anunciou em janeiro que a Caoa não iria comprar a fábrica da Ford em São Bernardo.
A decisão foi um balde de água fria para os ex-funcionários que esperavam que ao menos 850 dos demitidos fossem recontratados.
“Pegou muito mal essa história de aproveitar os demitidos que anunciaram no ano passado. Se não resolver isso logo, tanto o governo quanto o sindicato perdem força”, diz Alexandre Ferreira de Oliveira.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o governo estadual tentaram negociar, junto à aquisição da fábrica da Ford, a reabsorção de parte dos desligados
Doria afirma agora que há entendimentos com duas montadoras chinesas que teriam interesse na planta. Os nomes e o estado das negociações não foram divulgados.
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