Mulheres vão à Justiça para plano de saúde cobrir exames de câncer

Elas reclamam que convênios dificultam acesso aos exames que detectam o desenvolvimento de câncer de mama e de ovário

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

​Mulheres, especialmente na faixa de 36 a 49 anos, relatam ter precisado recorrer à Justiça para fazer exames com o objetivo de analisar os genes BRCA 1 e BRCA 2. Esses dois testes são realizados para avaliar o risco de um câncer de mama ou de ovário ser de origem genética.

Segundo o oncologista Max Mano, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, pessoas com uma dessas variações genéticas têm entre 60% e 80% de risco de desenvolver câncer de mama e, entre 20% e 60%, de ter câncer de ovário durante a vida.

Porém, o rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), que é a cobertura mínima obrigatória dos planos, garante o acesso a esses exames, mas apenas em situações específicas, que são chamadas de diretrizes de utilização. Uma delas determina a cobertura do exame para mulheres com até 35 anos e diagnóstico de câncer. Há ainda outras diretrizes relacionadas, por exemplo, ao histórico familiar.

Um problema é que mulheres acima dos 35 anos têm encontrado dificuldade para fazer os exames pelo convênio médico. É o caso da esteticista Flaviani dos Santos Custódio, 41 anos, de Itapevi (Grande SP), que descobriu, em 2019, nódulos nas duas mamas. “Eu já havia feito radioterapia e optei pela mastectomia. Minha médica prescreveu o exame Oncotype para saber a necessidade de fazer uma quimioterapia. O exame custa, em média de R$ 15 mil."

Flaviani relata que a situação piorou quando recebeu a negativa de seu convênio, da Bradesco Saúde. "Como faço parte de um grupo de mulheres de apoio nas redes sociais, entrei com pedido de liminar [na Justiça]. Consegui e o plano de saúde autorizou o exame em questão de dias e fez acordo para indenização de R$ 10 mil. O resultado detectou que seria fundamental a quimioterapia e já finalizei as sessões.”

Procurada, a Bradesco Saúde diz que não comenta assuntos levados à apreciação do Judiciário.

Flaviani dos Santos Custódio, 41 anos,  não conseguia fazer um exame oncológico e, após entrar na Justiça, o plano de saúde autorizou
Flaviani dos Santos Custódio, 41 anos, não conseguia fazer um exame oncológico e, após entrar na Justiça, o plano de saúde autorizou - Martha Salomão/Folhapress

A reportagem entrou em contato com três laboratórios particulares que realizam o exame sequenciamento de BRCA1 e BRCA2 com MLPA. Os valores variam entre R$ 1.650 e R$ 3.000, que podem ser parcelados no cartão de crédito.

O oncologista Max Mano afirma que, após esse mapeamento genético, algumas mulheres podem ser indicadas a passar por cirurgias redutoras de risco, como mastectomia bilateral e/ou ooforectomia bilateral ou, no mínimo, entrar em um programa de vigilância intensiva.

“Outro ponto é que os filhos de pacientes com essa síndrome devem fazer o teste quando atingirem a idade adulta, pois cada filho tem tipicamente 50% de risco de herdar o problema. Não saber ser portador de tal síndrome genética pode ser uma tragédia para a pessoa e para a família”, afirma o oncologista.

O médico diz ainda que, além disso, recentemente foi demonstrado que pacientes com câncer de mama e ovário causados por essa alteração têm chance de responder a um tratamento específico, medicações de uma classe conhecida por inibidores da PARP (uma das quais tem registro na Anvisa no Brasil –o Olaparibe). "Portanto, o teste também tem sido solicitado para esta finalidade, quando a doença está em fase metastática."

Com relação ao rol da ANS para os exames, o médico Max Mano, da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, considera que, para pacientes com mais de 35 anos, os critérios de fato são mais restritivos. “Na ausência de histórico familiar, os testes só são cobertos em caso de um tipo específico de câncer de mama, chamado triplo negativo (que tem mais risco de ter causa genética). Talvez um ponto de corte de 45 anos fosse mais adequado. Porém, para mulheres de 35 anos com algum histórico familiar relevante, a cobertura é assegurada. De qualquer maneira, os planos de saúde poderiam ser mais flexíveis para casos específicos que não se enquadram nos critérios, pois não são muitos casos nesta situação.”

A advogada Caroline do Nascimento conta que, apesar de não estar claro o acesso aos exames a todas às faixas etárias pela ANS, pacientes têm conseguido o apoio do Judiciário. "A maioria das decisões é a favor do paciente, uma vez que os juízes entendem que, se o médico fez o pedido, ele sabe o que é melhor para o seu paciente." Caroline cita dois entendimentos do TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo): as súmulas 95 e 102 para avaliação dos casos. "Elas dizem que se há expressa indicação médica nenhuma negativa de cobertura de custeio de tratamento prevalece sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS."

A auxiliar de enfermagem Rosineide Maria de Souza, 43 anos, do Parque São Rafael (zona leste), relata que foi diagnosticada com câncer de mama e fez a cirurgia para retirada do carcinoma em julho de 2019.

"O meu mastologista achou prudente iniciar uma investigação mais apurada e considerou que é importante fazer um painel de genes para câncer de mama e/ou ovário, mas a Intermédica disse que o médico errou na prescrição. Ele, por sua vez, afirma não ter nada de errado com o pedido. Eu fiquei nesse meio correndo contra o tempo. Somente após o contato com o Agora é que consegui finalmente a autorização e farei o exame de painel hereditário no dia 23 de março."

A Intermédica, em nota, afirma que em hipótese alguma houve negativas para a beneficiária, mas apenas que se faz necessário o envio de novos documentos, porém a beneficiária se nega a pedir para o médico essa solicitação.

A auxiliar de enfermagem Rosineide Maria de Souza, 43 anos, relata que precisou enfrentar burocracia antes de conseguir a autorização de seu plano de saúde para realização de exame
A auxiliar de enfermagem Rosineide Maria de Souza, 43 anos, relata que precisou enfrentar burocracia antes de conseguir a autorização de seu plano de saúde para realização de exame - Ronny Santos/Folhapress

Em 2013, a atriz Angelina Jolie fez exames de genes

Após fazer o exame que analisou os genes BRCA1 e BRCA2, em 2013, a atriz Angelina Jolie afirmou ter retirado as mamas depois de descobrir alterações no BRCA1. A atriz tinha, segundo o resultado, 87% de chance de desenvolver um câncer de mama. Em 2015, Angelina retirou os ovários e as trompas, uma vez que tinha 50% de chances de ter a doença. A mãe da atriz morreu com 50 anos e a avó aos 40, ambas vítimas do câncer de mama. ​

Representantes de planos afirmam seguir regras

A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) esclarece que a cobertura obrigatória dos planos de saúde segue a diretriz de utilização da ANS. O instituto afirma que é legítimo que as famílias busquem acesso a tratamentos, seja para quais doenças forem. Mas é importante ter presente que decisões de alcance individual sempre geram impactos coletivos relevantes, na forma de custos mais altos, que são repassados e arcados por todos. Por isso, entende ser necessário obedecer rigorosamente os procedimentos que a lei determina e cobrir estritamente o que é definido pela ANS, sendo a melhor maneira de garantir que as melhores alternativas estarão disponíveis para mais pessoas a custos compatíveis.

São oferecidos 59 tipos de exames genéticos e diversos outros não genéticos para o diagnóstico e tratamento oncológico, conforme é possível conferir no site da agência reguladora.

A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) informa que, com o objetivo de conter a judicialização desnecessária, o Conselho Nacional de Justiça tem se empenhado no estabelecimento de núcleos de apoio técnico nos principais tribunais do país, nos quais os magistrados podem recorrer a corpo clínico e técnico especializado em temas da saúde. A associação informa que eventuais procedimentos não previstos no rol podem ser oferecidos contratualmente ou disponibilizados pela operadora.

Mapeamento genético / Como conseguir

O exame é recente no país?

  • Prescrito pela primeira vez, em 1994, no Brasil, somente na última década se tornou mais viável realizá-lo

Quanto custa?

  • Em média, laboratórios particulares cobram entre R$ 1.650 e R$ 3.000

Reembolso

  • É possível solicitar reembolso do valor pago pelo exame na Justiça, mas é preciso ter feito o pedido ao plano de saúde e apresentar justificativa da negativa fornecida pelo convênio

​Antes de recorrer à Justiça

  • Tente resolver diretamente com o convênio médico e anote os protocolos de reclamação
  • Registre reclamações no 0800 da ANS
  • Para quem não tem como contratar um advogado, é possível buscar orientações na Defensoria Pública

Como pedir a autorização do exame na Justiça

Para liminar é necessário apresentar:

  • Laudo médico detalhado sobre a necessidade do exame
  • Negativa do plano de saúde por escrito com o motivo ou o número de protocolo da ligação na qual o cliente solicitou o exame e recebeu não como resposta

Judiciário

Para autorizar exames, o TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) tem seguido alguns entendimentos:

  • Súmula 95: Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico.
  • Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS

O que diz a ANS?

A cobertura da realização dos testes genéticos BRCA1 e BRCA2 para a detecção do câncer de mama e ovário hereditários é obrigatória pelos planos de saúde contratados a partir de 2 de janeiro de 1999 ou que foram adaptados à Lei dos Planos de Saúde, desde que observadas as condições estipuladas nas respectivas Diretrizes de Utilização

ORIENTAÇÕES AO CONSUMIDOR: Em caso de dificuldade de atendimento ou negativa de realização dos exames, o consumidor deve entrar em contato com a operadora para esclarecer o motivo. O beneficiário pode solicitar a justificativa da negativa de cobertura por escrito e, de posse desse documento e do número de protocolo do atendimento feito pela operadora, deve registrar reclamação na ANS por um dos nossos canais de atendimento:

  • Disque ANS (0800 701 9656): atendimento telefônico gratuito, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 20h, exceto feriados nacionais
  • Central de atendimento para deficientes auditivos: 0800-0212105
  • Central de Atendimento ao Consumidor, no endereço eletrônico: http://www.ans.gov.br/central-de-atendimento
  • Núcleos da ANS em 12 cidades do país (http://www.ans.gov.br/aans/nossos-enderecos), de 2ª a 6ª feira, das 8h30 às 16h30, exceto feriados nacionais

Fontes: Advogada Caroline do Nascimento, ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.