Em um ano de pandemia, disparam queixas contra crédito consignado

Plataforma ligada ao Ministério da Justiça registrou alta de 126% nas reclamações entre 2019 e 2020

São Paulo

As reclamações dos consumidores sobre crédito consignado explodiram entre 2019 e 2020, ano da pandemia de coronavírus no Brasil e no mundo, segundo pesquisa do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em dois canais que atendem consumidores –Consumidor.gov.br e Banco Central.

O ranking de reclamações do Banco Central, que concentra apenas queixas sobre instituições financeiras como bancos e financeiras, mostra aumento de 72%, com 84.825 registros no total, em 2020, ante 49.275, em 2019.

Na plataforma Consumidor.gov.br, o total de reclamações sobre o setor financeiro em 2020 foi de 320.887 contra 189.849 em 2019, uma alta de 69% nas queixas. As ocorrências envolvendo o crédito consignado ficaram em primeiro lugar.

Apenas na plataforma Consumidor.gov.br, da Senacon​ (Secretaria Nacional do Consumidor), ligada ao Ministério da Justiça, um terço do total dos registros em 2020 corresponde a operações com crédito consignado (88.246 queixas), sendo que, no ano anterior, o total de queixas ligadas a essa modalidade financeira foi de 39.012, uma alta de 126%.

“O aumento no volume das reclamações é decorrente do maior assédio dos bancos aos consumidores, por conta da abordagem de seus correspondentes bancários. Com mais tempo em casa, por causa do isolamento social, as ligações se intensificaram para ofertar crédito consignado”, diz Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec.

“Em vez de propor a suspensão das parcelas para trazer um alívio financeiro aos consumidores, os bancos incentivaram o consumidor a contrair novos créditos, com o discurso de garantia de acesso ao crédito barato. Tudo isso chegando a impor a contratação, realizando operações não solicitadas pelos consumidores com depósitos em conta bancária sem anuência do consumidor”, completa.

Ainda segundo a economista do Idec, a regra é respeitar as condições de oferta conforme o interesse do consumidor. “É irregular a oferta ostensiva com dezenas e centenas de ligações diárias, a utilização de informações sigilosas sobre concessão de novos benefícios, descumprimento de prazo de 90 dias para abordagem, bloqueio de margem de recursos seguido de mensagens de solicitação de regularização de empréstimos”, diz Ione.

"Infelizmente, as instituições financeiras, por meio dos correspondentes bancários, impulsionam a expansão do crédito e não fazem fiscalização e monitoramento, o que configura um conflito de interesse em combater o assédio na oferta abusiva”, ressalta ela.

Ione diz ainda que os consumidores precisam ter os seus dados do INSS melhor protegidos. "As operações precisam ser mais transparentes, e os contratos de refinanciamento, portabilidade e novas contratações precisam de monitoramento. Precisamos promover a gestão dos canais utilizados para a oferta do crédito, como aplicativos, chamadas telefônicas, internet banking”, conclui Ione.

Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que o órgão e seus associados “não compactuam e combatem as más práticas que estejam em desacordo com a legislação vigente e as normas estabelecidas pelos órgãos reguladores, particularmente em relação à contratação indevida de crédito consignado”.

Além disso, a federação, em parceria com a ABBC (Associação Brasileira de Bancos), destaca que proibiu permanentemente dez correspondentes bancários de oferecer crédito consignado em nome dos bancos, por irregularidades no crédito consignado e que, somente em janeiro deste ano, entre advertências e suspensões temporárias e definitivas das atividades, 71 correspondentes bancários foram punidos.

Negociações levam à alta nas queixas, diz Banco Central

O Banco Central, órgão regulador de bancos e instituições financeiras, diz que as reclamações com o consignado subiram muito por conta da demanda por renegociações.

“Especificamente com relação ao crédito consignado, pode-se dizer que o maior número de reclamações está diretamente correlacionado com a maior demanda por renegociações das operações, ocorrida no primeiro semestre de 2020, e com o aumento da margem consignável, fixada em lei, no segundo semestre de 2020 e no início de 2021”, diz o BC, em nota à reportagem.

Apesar do alto número de reclamações, a plataforma oficial de resolução de conflitos do governo federal, o Consumidor.gov.br, da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), ligada ao Ministério da Justiça, enfatiza o alto índice de resolução das queixas.

“O índice de resolutividade apontado pelo próprio consumidor fica por volta de 80%. Sendo que, no caso de consignados, a taxa de resolução é de cerca de 81,30%”, diz a Senacon, em nota à reportagem.

Apesar disso, o órgão destaca que as pessoas ainda buscam a Justiça. “Os consumidores também estão buscando mais os Procons para resolução de suas demandas de consumo, mas muitos casos ainda acabam no Judiciário.”

Reclamações | Saiba como registrar

  • Levantamento do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) mostra explosão de queixas sobre serviços financeiros no primeiro ano de pandemia

Consignado lidera

  • As queixas sobre consignado ficaram em primeiro lugar, com alta de 126% em relação a 2019 e um terço do total de registros (88.246 casos)
  • O ranking do Banco Central, que reúne só queixas sobre instituições financeiras, teve alta de 72%, com 84.825 registros, em 2020, ante 49.275, em 2019
  • No Consumidor.gov.br, as queixas sobre cobrança por serviço ou produto não contratado, não reconhecido ou não solicitado subiram 441%

Como fazer uma queixa

  • Procure o banco para tentar uma solução
  • Registre a queixa por escrito e guarde um comprovante (protocolo do banco ou aviso de recebimento dos Correios)
  • Se o problema não for resolvido ou demorar, procure a ouvidoria do banco
  • Algumas instituições têm canais específicos para fazer queixas
  • O prazo de resposta é de dez dias, contados do registro

No Banco Central

  • O Banco Central é o órgão regulador de bancos e instituições financeiras
  • É importante registrar a reclamação, pois ela irá para o ranking de queixas

Pela internet:

Por telefone:

  • 145 ou 0800-979-2345 (de segunda a sexta, das 8h às 20h, com exceção de feriados)

Por carta:

  • Banco Central
  • SBS Quadra 3 Bloco B, Ed. Sede
  • Caixa Postal: 08670
  • CEP: 70074-900, Brasília – DF

Como funciona

  • O Banco Central encaminha a queixa do cidadão à instituição financeira, que tem dez dias úteis para responder ao cliente, com cópia para o órgão regulador
  • As reclamações costumam ser solucionadas rapidamente, já que o Banco Central pode impor multas e penalidades

Informações e documentos importantes

  • CPF
  • Endereço completo
  • Dois telefones para contato
  • Email (se tiver)
  • Agência e conta (se for correntista da instituição)

Reclamações procedentes no Banco Central

  • 1º Oferta ou prestação sobre consignado de forma inadequada
  • 2º Irregularidades relacionadas a cartão de crédito
  • 3º Irregularidades relacionadas a operações de crédito
  • 4º Irregularidades disponibilizadas em internet banking
  • 5º Irregularidades das operações e serviços (*exceto relacionadas a cartão de crédito, cartão de débito, internet banking, ATM, credenciadora e operação de crédito)

Na plataforma Consumidor.gov.br

Como fazer

  • O consumidor verifica se a empresa está cadastrada no site e registra a queixa
  • A empresa tem até dez dias para analisar e responder. Depois, o consumidor tem 20 dias para informar se o caso foi resolvido e indicar o nível de satisfação com o atendimento
  • Todo procedimento é feito pela internet

Ranking de reclamações dos bancos

Os cinco problemas mais frequentes Em 2020 (Total) Em 2020 (De consignados) Em 2019 (Total) Em 2019 (De consignados)
Cobrança por serviço/produto não contratado/não reconhecido/não solicitado 33.079 20.564 11.843 3.802
Não entrega do contrato ou documentação relacionada ao serviço 26.380 13.533 11.596 7.182
Cobrança de tarifas, taxas, valores não previstos/não informados 26.221 1.238 17.604 520
Cobrança indevida/abusiva para alterar ou cancelar contrato 22.569 6.081 13.962 22.254
Dificuldade para obter boleto de quitação ou informações sobre cálculos, pagamentos, saldo devedor 16.208 14.069 10.598 9.062
Outros problemas (88 opções de registros) 196.430 32.761 124.246 16.192
Total de queixas no ano 320.887 88.246 189.849 39.012

Procons

  • No caso do Procon-SP, a queixa pode ser registrada no site www.procon.sp.gov.br ou pelo aplicativo do Procon por meio de uma reclamação eletrônica
  • Pessoalmente é possível na capital nos postos Poupatempo Sé, Santo Amaro e Itaquera e também no posto localizado na 8ª DP no Brás. Nos municípios do interior o consumidor pode procurar os Procons municipais
  • Para moradores com código de área 011, é possível ligar para 151 para orientações e denúncias. Atualmente o número está suspenso por conta da pandemia, mas quando for reativado, o horário de funcionamento continuará de segunda a sexta das 8h às 17h

Justiça

  • Caso não haja solução administrativa, recorra à Justiça

Fontes: Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor); Febraban (Federação Brasileira de Bancos); Banco Central; e Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) do Ministério da Justiça.

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