Receber uma dívida judicial de um órgão público pode levar meses ou décadas após a conclusão do processo. Essa situação abriu espaço para um mercado de compra e venda desses créditos e também para quadrilhas especializadas em aplicar golpes contra credores e investidores.
A dívida paga na Justiça com valor acima de um determinado piso –isso varia conforme o órgão público que está devendo, se federal, estadual ou municipal– recebe o nome de precatório.
Os chamados precatórios alimentares da União, que em sua maioria são compostos por valores atrasados devidos pelo INSS e têm valor superior a 60 salários mínimos, representam uma exceção quanto ao tempo de pagamento.
Historicamente, o governo federal repassa esses créditos antes do vencimento do prazo: o valor inscrito até o início de julho pode ser pago até dezembro do ano seguinte, mas dificilmente os pagamentos ocorrem meses antes da data-limite.
Dívidas de prefeituras, estados e do Distrito Federal, porém, têm filas de pagamentos que regularmente atingem duas décadas de espera.
Para quem não pode esperar tanto tempo, a venda do direito de receber esse crédito surge como uma das poucas possibilidades de antecipar o crédito, uma vez que a negociação com o próprio ente devedor costuma depender de propostas que nem sempre são abertas a todos os credores.
O primeiro cuidado antes de decidir pela venda é conhecer o tipo de precatório que se tem em mãos, alerta o vice-presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Diego Cherulli.
“É muito importante diferenciar o precatório alimentar da União, como o do INSS, que será pago rapidamente, de um crédito de uma prefeitura ou governo estadual que levará anos para ser quitado”, diz o advogado.
Responsável pelo departamento jurídico da Sul Investimentos, empresa especializada em negociar precatórios, a advogada Paula Bergamaschi estima que o pagamento para precatórios federais deve ser de 65% a 85% do valor líquido que órgão pagaria ao credor, considerando correções e descontando taxas legais e honorários advocatícios. Um valor muito superior ao pago por dívidas de entes estaduais e municipais, que podem ser de 20% a 35% do total da dívida.
“Quanto mais próximo está o pagamento, menor é o deságio (desvalorização) do precatório”, diz Bergamaschi. “Mas quem vende precisa estar ciente de que, de qualquer forma, está abrindo mão de uma parte importante do seu direito.”
MERCADO DOS ATRASADOS | O QUE É PRECISO SABER
- A espera para receber um precatório pode demorar entre pouco mais de um ano e décadas
- Isso depende da fila de credores e da disponibilidade de dinheiro em caixa do órgão devedor
- Esse cenário criou um mercado de comercialização de dívidas judiciais, além de muitas fraudes
- Confira abaixo o que é necessário saber para vender precatórios ou escapar de golpistas
O que são precatórios?
- Precatórios são ordens judiciais para que órgãos públicos quitem suas dívidas com cidadãos e empresas que ganharam processos para receber algum tipo de reparação
- Somente ações encerradas (após o trânsito em julgado) podem gerar a emissão de precatórios
Valor
- Para ser um precatório, a dívida precisa ter um valor mínimo, que varia conforme o ente devedor (União, estados e municípios)
- No caso dos débitos judiciais de órgãos governo federal, o valor inicial para ser um precatório é de 60 salários mínimos
- Se o valor é inferior ao mínimo para ser um precatório, a ordem de pagamento é mais simples e liberada em algumas semanas
- No caso do governo federal, esses documentos recebem o nome de RPVs (Requisições de Pequeno Valor)
Filas
- A fila de precatórios que anda mais rápido é da União, composta em sua maioria por dívidas de valores atrasados de aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS concedidos ou revisados na Justiça
- Os precatórios inscritos entre até 1º de julho de um determinado ano são obrigatoriamente pagos até 31 de dezembro do ano seguinte
- Dívidas de órgãos municipais e estaduais, porém, podem levar duas décadas ou mais para serem quitadas
É possível vender um precatório?
- Sim, pois não há legislação que proíba um cidadão de comercializar o que lhe pertence
- Mas antes de tomar essa decisão, é necessário saber bem do que se está abrindo mão
DESCONTO (DESÁGIO)
- No ramo das finanças, deságio significa vender um título ou um crédito por um valor inferior ao que ele vale
- No caso do precatório, além de abrir mão de parte do valor do título, a venda resulta na perda de parte dos juros e correção monetária
- Para precatórios federais, como atrasados do INSS, empresas pagam de 65% a 85% do valor líquido da dívida corrigida, dependendo da espera
- Para precatórios municipais e estaduais, o mercado de compradores paga entre 20% e 35% que o cedente receberia do órgão devedor
Atenção
- Ao considerar comercializar o precatório, é importante estimar o valor atualizado da dívida até a data da venda
- Esse cálculo poderá resultar em um valor muito superior ao que está registrado na ordem de pagamento
- O comprador, porém, irá descontar os honorários que foram combinados com o advogado, taxas e tributos legais
Tempo é dinheiro
- Precatórios que são pagos em pouco tempo, como os que são devidos pelo INSS, valem muito mais
- Por isso, quem está esperando para receber, caso precise vender esse direito, não deve aceitar descontos acima de 35%
Vale a pena?
- A venda de qualquer bem é uma decisão pessoal e as condições econômicas do cidadão ou da família devem ser consideradas
- Perder parte do valor para saldar dívidas com juros elevados, evitar a perda do imóvel e tratar de questões de saúde podem ser fatores de decisão
- Quem possui uma condição financeira estável deve considerar manter o precatório como um investimento para usufruir no futuro
DECIDIU VENDER | CUIDADOS BÁSICOS
Após tomar a decisão de comercializar o precatório, é importante tomar os seguintes cuidados:
1 ) Fale com o advogado
- Quem está na fila dos precatórios tem um advogado nomeado para cuidador do processo
- É muito importante discutir a decisão de vender o título com o advogado, que irá acompanhar o processo
- O advogado não perde dinheiro com o negócio, pois o comprador deverá preservar os honorários
- A consulta ao profissional é para que ele oriente e se certifique que o seu cliente não será prejudicado
2) Negocie só com empresas
- Existem no país algumas empresas especializadas em comprar precatórios, que são revendidos para investidores
- Como não existe um órgão regulador desse mercado, o interessado terá que pesquisar por conta própria
- É fundamental verificar se há CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), se a empresa possui uma sede, tem funcionários que atendem telefonemas e qual é a reputação dela em órgãos de defesa do consumidor
3) Contrato registrado
- Antes de fechar o negócio, a empresa interessada em comprar o título pedirá uma procuração simples com a finalidade específica de ter acesso ao processo original e ao precatório
- A última etapa do processo será a assinatura, em cartório, do contrato de compra e venda e escrituras públicas para transferir a titularidade do crédito
Só assine esses papéis depois de confirmar que o valor combinado já está depositado na sua conta!
PERIGOS
Golpe do valor antecipado
- Empresas sérias que compram precatórios não pedem para o proprietário do título adiantar valores em dinheiro
- Quem vende um precatório deve receber valores e não pagar a antecipação de parte da dívida
- Golpistas, porém, prometem antecipar todo o valor do precatório se o credor antecipar uma parcela (10%, normalmente)
Assédio a segurados do INSS
- O credor também não deve ceder à pressão de negociadores que cobram taxas muito altas para antecipar precatórios do INSS
- Aproveitando-se do desconhecimento da população sobre o tema, golpistas dizem que o valor levará década para ser pago
- Isso não é verdade. O governo federal jamais deu calote ou pagou fora do prazo os precatórios do INSS
Fonte: Sul Investimentos e IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário)
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