Entre roqueiros e skatistas, o velho alfaiate ainda dita a moda

José Raymundo de Castro, 83, mantém sua alfaiataria desde 1964 na galeria do Rock

Mariangela Castro Marcelo Mora

O alfaiate José Raymundo de Castro não perde um dia de trabalho nem sai de casa sem roupa social, por mais estranha que essa sua vestimenta possa parecer aos que convivem ao seu redor. 

Aos 83 anos, o idoso é visto diariamente no quinto andar da Galeria do Rock, no largo do Paissandu (centro), abrindo a alfaiataria que mantém no lugar desde junho de 1964, bem antes de o centro comercial ser referência para os roqueiros e skatistas, a partir de meados da década de 1970. 

Naquela data, pouco depois de a galeria ser inaugurada, cerca de 20 alfaiates estavam instalados no prédio. Hoje, restaram apenas dois. E, assim como em outros locais da cidade, eles tentam sobreviver ao encolhimento da profissão.

A disputa agora é contra lojas de departamento, que vendem ternos por menos de R$ 200, e com grifes requintadas, cujo preço chega a caríssimos R$ 45 mil. 

Castro caminha entre os dois extremos, cobrando cerca R$ 2,5 mil por um terno. Para ele, quem conhece o trabalho de um bom alfaiate não troca por nada. "Dizer que a profissão vai acabar é um grande exagero", afirma.

Apesar da tradição --sua máquina de costura é a mesma desde que começou a trabalhar, assim como a loja em que compra tecidos--, para ele é importante saber acompanhar as mudanças. A confecção de ternos completos se tornou rara, mas roupas para consertar e ajustar chegam todos os dias. Inclusive das comercializadas no próprio centro comercial. "A gente não pode viver no passado."


José Raymundo de Castro também é conhecido por seu trabalho como compositor. Em 1985, fez o jingle do candidato José Maria Eymael (PDC), usado até hoje em campanhas. "Não quero me gabar, mas todas as pessoas conhecem esse jingle." (MC)


PARA PROFESSORA, NÃO HÁ COMPARAÇÃO

A professora do curso de têxtil e moda da USP (Universidade de São Paulo) Francisca Dantas Mendes diz que mesmo as grandes grifes não conseguem abranger todas as técnicas e os detalhes que de um alfaiate tradicional. 

"A confecção manual de um alfaiate é passada individualmente de pessoa para pessoa, é muito triste não termos uma escola que transmita estes ensinamentos", afirma.

Para ela, o encolhimento da profissão representaria uma grande perda para a moda, que está cada vez mais cedendo às tabelas de medidas prontas e perdendo a diversidade de formatos. "Essas tabelas não são suficientes, nenhum terno de loja fica tão bom quanto o terno de um alfaiate."

Para o executivo Anselmo Antunes, 33 anos, que utiliza roupas de alfaiataria desde os 20, a qualidade da confecção "faz valer cada centavo". Anualmente, ele encomenda cerca de 12 camisas, dez calças e três ternos, mas os pedidos são feitos aos poucos, para que cada roupa seja adaptada ao clima da estação. "Cada peça tem a minha cara, é exclusiva, é única", diz.

Antunes descreve a relação com Fábio Seberino, alfaiate que frequenta há dez anos, como uma amizade. "A gente toma café, conversa sobre a vida, é sempre um dia especial."

NAS MÃOS DO DONO

Ainda que cada alfaiate tenha o próprio trabalho, há um consenso: uma boa roupa pode ser reconhecida de longe. É isso que João Guimarães, 89, defende. Ele trabalha no Brooklin (zona sul) desde 1954 e só veste roupas que confeccionou. "Não vou querer roupa dada de outro alfaiate, né? Muito menos de qualquer loja", afirma Guimarães.

TRADIÇÃO DA FAMÍLIA VEM DO BISAVÔ

Trabalhar com alfaiataria não chegou a ser uma escolha para Fábio Seberino, 54 anos. Desde cedo ele é reconhecido como o 12° alfaiate da família, seguindo o costume de seu bisavô, avô, pai, cinco tios e três irmãos. 

"Eu não lembro de não ser alfaiate, cresci em ateliê desde criança, passei a infância fazendo calças e camisetas", conta ele, que trabalha na galeria Nova Barão (centro).

Apesar do aumento de lojas e marcas, Seberino consegue manter um número fixo de clientes, produz cinco ou seis ternos por ano e compra tecido no mesmo lugar desde que começou a trabalhar sozinho, em 1991. "O mais importante é garantir a qualidade, é o meu nome que está bordado nas roupas e a gente vive de indicação", afirma.

Para ele, uma alfaiataria é como um "confessório", deve haver confiança total entre o cliente e o alfaiate para trocar segredos, desabafar e refletir sobre a vida. 

Hoje, Seberino cobra R$ 500 por uma calça, R$ 3 mil por um paletó e cerca de R$ 4 mil pelo feitio de um terno, que demora 15 dias para ser confeccionado. "A qualidade é incomparável, quem tem problemas com corpo sempre vai precisar de roupa sob medida."

FAMA CRESCE COM CARTÃO DEIXADO EM LOJAS DE ROUPAS

Mesmo com a diminuição no número de alfaiatarias, deixar de existir nunca foi uma opção para o alfaiate Oseas do Santos, 66 anos. Bem humorado, ele diz que "dá risada" quando falam que seu trabalho está chegando ao fim. "Não tem como acabar, sempre vão existir roupas e as roupas sempre vão precisar de ajustes. É aí que a gente entra", argumenta.

Assim como os colegas de profissão, o alfaiate também começou jovem, aos 15 anos, no Piauí. 
Oseas confessa que a costura não foi sua primeira opção de ofício. Quando era mais novo, ele tentou ser marceneiro, mas logo percebeu que os tecidos eram mais leves que a madeira, conforme costuma brincar. "Ser alfaiate é mais divertido", afirma.

Oseas se instalou em São Paulo em 1970, na galeria Nova Barão (região central). Para atrair clientes ele deixa seu cartão de visitas nas lojas de roupas da região. "O pessoal me indica para não perder a venda, eu faço um bom trabalho e todo mundo sai ganhando", diz.

Para ele, o melhor de ser alfaiate é trabalhar com o desafio de fazer coisas novas diariamente. 
Ele diz que não acha nenhuma roupa muito difícil de ser feita e que gosta de desafio, de customizar os trajes pensando no gosto pessoal de cada cliente.  "Quando você faz uma roupa do zero é como se uma parte sua ficasse andando com ela para sempre. Eu acho isso muito valioso", afirma.

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