Sofás velhos viram estofados ecológicos e fonte de renda

Cooperativa recicla material e colabora com a capacitação de mão de obra na região do ABC

São Paulo

Descartados irregularmente pela população no meio das calçadas, praças, terrenos baldios e até mesmo córregos das cidades, os sofás velhos podem ter um destino ecologicamente correto. E ainda servirem na capacitação de pessoas para geração de trabalho e renda na reciclagem, além de inclusão social. 

É o que oferece o ex-projeto e hoje Cooperativa Okavango, em Diadema (ABC), a partir de um simples estofado abandonado. Do sofá velho nasce um novo, totalmente reformado pelos nove cooperados e com 80% de material ecológico, segundo o tapeceiro piauense Diolindo Sousa, 48 anos, que há 12 criava o então Projeto Okavango.

Fios recortados de garrafas PET viram varais para dividirem os estofados e aparas de malharia servem para enchimento. Após higienização, a espuma do colchão usado é reaproveitada.

“É um grupo de pessoas que trabalha fabricando sua renda”, diz Sousa, na oficina de restauração improvisada no imóvel simples alugado no Jardim Portinari.

A atual montanha de sofás descartados é garimpada nos 10 ecopontos municipais. Antes, Sousa conta que havia dificuldade em se conseguir a matéria-prima de seu ganha-pão.

O que só foi possível quando passou pela incubadora de Empreendimento Popular e Economia Solidária da Prefeitura de Diadema. “Diolindo chegou com talento. Logo de cara entendeu o conceito coletivo da economia solidária para produção e venda”, diz o coordenador da incubadora municipal, Antônio Pires Soares, 52 anos.

O estofado velho é desmontado e o material, como a madeira, reaproveitado. Por semana, são produzidos, em média, dez jogos de sofás, de três e dois lugares, vendidos por R$ 380. Lojas parceiras também comercializam os móveis. Só que por valor mais alto.

“Tiro de R$ 1.000 a R$ 1.200, dependendo do mês”, diz o hoje marceneiro e tapeceiro Marcos Paulo Pereira, 43, um dos nove cooperados e que há dois anos dá nova cara aos sofás reciclados.
Estudante do 2º ano do ensino médio, Douglas Silva de Carvalho, 17 anos, é um dos mais novos da turma.

Além dos sofás, Carvalho faz os descolados pufes de pneus coloridos, um dos destaques da grife Okavango. Da renda mensal repassada à mãe, ao menos, R$ 100 tem o destino certo. “Pago a internet”, diz o jovem, com orgulho.

Tapeceiro fugiu da seca no Piauí 

O ofício de tapeceiro vem de gerações da família Sousa, que fugiu da seca no estado do Piauí para se refugiar em São Paulo. Na época, Diolindo Sousa tinha 3 anos, hoje 48. 

]“Respiro sofá desde minha infância, quando a maior diversão era a hora da entrega na perua”, conta, ao relembrar o equilíbrio das poltronas e estofados sobre o veículo nas estreitas ruas de Diadema (ABC), onde a família se instalou.

De sete filhos, sendo cinco homens, três também seguiram a profissão de tapeceiro. “Meu pai Severino, 74 anos, é marceneiro e artesão de mão cheia, que também se aventurou na construção das casas de pau a pique. Hoje, se aposentou e voltou para a terra natal. Minha mãe ficou por aqui”, afirma Diolindo.

Apaixonado pela profissão, o idealizador do Okavango afirma ser do tempo da “tachinha na boca”, usada antigamente para pregar com o martelo o tecido do sofá. Agora, substituído pelo grampeador de ar comprimido. Como mestre, ao longo dos anos, foi multiplicando o aprendizado no restauro dos sofás, poltronas e pufes com o reaproveitamento de material reciclado. 

Cooperativa terá o próprio espaço no ABC

A Cooperativa Okavango ganhará em breve a tão sonhada casa própria em área pública de 1.500 m2 no bairro Casa Grande, em Diadema. Ali, o cidadão terá como ponto de referência para descarte dos sofás velhos, colchões e até mesmo guarda-roupas de madeira.

O espaço será cedido no regime de concessão pela Prefeitura de Diadema, gestão Lauro Michels (PV). “A previsão é que a mudança ocorra em outubro”, afirma o coordenador da incubadora municipal, Antônio Pires Soares, mais conhecido como Tonico.

Na nova área, Diolindo Sousa prevê concretizar antigo projeto: formar uma rede de cooperativas de materiais reciclados. A meta de Sousa para o novo galpão é bastante ousada. Ele pretende produzir de 30 a 50 jogos de sofá por dia. O idealizador do projeto espera conseguir isso com a união entre os integrantes da cooperativa. 

O que tem tudo para dar certo. “Diadema é referência no país em economia solidária”, afirma Soares. Atualmente, são 23 projetos incubados e que beneficiam  1.772 pessoas com a geração de trabalho e renda, além de 7.000 indiretamente. Entre eles, a Okavango. 

Carapicuíba e São Vicente têm projetos de reutilização

Do piloto da Okavango em Diadema (ABC), dois projetos também são gerenciados por Deolindo Sousa em Carapicuíba (Grande São Paulo) e São Vicente (65 km SP).

No litoral, o Ateliê Lixo Inteligente, junto à Cooper Natureza, transforma móveis velhos, restos de madeira e plásticos em objetos reutilizáveis. Já em Carapicuíba, Sousa é embaixador da Casa Maria Maia, que atende crianças com paralisia cerebral. 

Irmão de Sousa, o tapeceiro Erick Sousa, 46 anos, é um dos cooperados. Assim como o sobrinho Pablo, 17 anos, que desde os cinco trabalha ao lado dos tios na produção dos sofás. 

Santo André também  vai investir na recuperação de estofados

No mesmo caminho de Diadema, Santo André (ABC) também investirá na recuperação e produção de estofados ambientalmente corretos. O projeto De Volta pra Sala: Transformando Sofás em Cidadania capacitará inicialmente 20 moradores da cidade, acima de 18 anos, com baixa renda.

Além da capacitação para geração de trabalho e renda dentro do princípio da economia solidária, o projeto chega para colocar fim, ou, pelo menos, aliviar gargalo enfrentado nas 21 estações de coleta do Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de 
Santo André).

Segundo o diretor de Resíduos Sólidos do Semasa, José Elidio Rosa Moreira, o custo cobrado dos sofás velhos descartados na cidade é alto.

Nesse caso, o rejeito é encaminhado para aterro sanitário privado em Mauá (ABC), o que contribui para redução da vida útil do espaço. O valor não é possível estimar —os sofás vão com demais resíduos. Em 2018, 12.277 sofás e 5.414 colchões foram deixados nas 21 estações da cidade. Fora os milhares descartados irregularmente no município.

Além da parte teórica, a oficina de tapeçaria com a reutilização de materiais será dada por Diolindo Sousa, da Okavango. “O jovem tem poucas possibilidades de qualificação. É uma porta que se abre”, diz Thaina Moreira, 20 anos, inscrita no projeto.

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