Moradores de cortiços relatam abandono durante a pandemia

Relatos de mortes por causa do novo coronavírus ocorrem em moradias no centro de São Paulo

São Paulo

Próximos dos bairros com maior concentração de mortos na cidade de São Paulo, moradores de cortiços, pensões e habitações coletivas da região central da capital paulista se sentem abandonados e sem força para reivindicar ajuda em meio à pandemia de coronavírus. “Aqui nunca vem ninguém”, afirma a vendedora desempregada Ketelen de Fátima Nunes dos Santos Silva, 21, que vive em um quarto com três filhos na rua da Cantareira.

Tão ou mais amontoados e insalubres do que nas favelas, os cortiços do centro da capital escondem o medo da contaminação entre famílias que acumulam o desemprego e a miséria.

Ketelen até conseguiu receber os R$ 600 distribuídos pelo governo federal, mas a grana não durou nada. “Serviu só para pagar as minhas dívidas”, afirma.

Sem a força de grandes comunidades como Paraisópolis e Heliópolis, quem vive nos cortiços também se ressente da falta de visibilidade para receber auxílio público ou privado. “Na favela, se preciso de um botijão de gás, um líder comunitário vem e ajuda. Aqui não tem ninguém”, conta.

A morte também assombra os moradores. A 20 metros do cortiço, dobrando a esquina, trabalhava um velho barbeiro que, segundo os vizinhos, morreu em decorrência da Covid-19. Não é o único caso relatado por eles nas proximidades.

Risco

Ambulante, Carla Monteiro, 33, vendia água nos semáforos antes da crise. Com a quarentena, os motoristas sumiram e agora ela vive de doações. Mora com outras cinco famílias, em um dos quartos de um corredor estreito, úmido, escuro e cheio de fios soltos no cruzamento da rua João Teodoro com a avenida do Estado.

“A gente se apega com Deus e faz a higiene. Estou sempre lavando as mãos, passando álcool”, conta a ambulante.

Carla mora com três filhos. O mais velho tem seis anos e o mais novo apenas um ano e meio. “Fico sempre limpando a mãozinha dele para não ter problema”, diz a ambulante.
Obcecada pela limpeza, Carla é pega às vezes de surpresa. Vizinha do rio Tamanduateí e vivendo abaixo do nível da rua, ela tem o incômodo de ver o esgoto retornar pelo ralo e invadir o cortiço no coração da cidade mais rica do país.

Sujeira e descaso

A autônoma Michele Cristina Nunes dos Santos, 41 anos, diz ter visto na televisão um apresentador anunciando que bastava deixar um pano branco em frente à porta de casa que as doações seriam depositadas para os mais carentes. A quarentena já avança pelo segundo mês em São Paulo e, até agora, o pano em frente ao cortiço onde vive segue vazio. “Estou bastante esquecida aqui. Ninguém colocou nada”, diz.

Michele é mãe de Ketelen e também vive no cortiço da rua da Cantareira, com outras oito famílias. Entre os moradores, 25 crianças, que correm pelos corredores escuros da habitação coletiva.

Parte dos quartos não tem janela. Apertados, os moradores acumulam os bens pessoais, beliches e cozinhas improvisadas no único cômodo. O ar no ambiente é pesado.

No quintal do cortiço, dois cubículos fazem as vezes de banheiro coletivo. Um para tomar banho, outro para fazer as necessidades fisiológicas, sem porta.

A situação é parecida com a das pensões no Brás (região central), que servem de moradia para ambulantes por R$ 600 a R$ 800 mensais por um quarto. Em uma delas, na rua Dr. Almeida Lima, o cômodo com paredes sujas e úmidas, com pano fazendo as vezes de vidro na janela, tem menos de dois metros quadrados, com um colchão imundo sobre a cama de concreto. O banheiro coletivo é uma entre dezenas de portas em um corredor abafado.

Parte dos camelôs já foi embora do local e quem sobrou tem dificuldade para pagar o aluguel.
“Tenho 20 quartos e só seis estão ocupados. Pago R$ 8.000 entre aluguel e IPTU. Quero ajudá-los, mas não sou pai deles”, diz o dono de uma pensão, 62 anos, 26 deles no Brás.

Resposta

A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirma que atende famílias em situação de vulnerabilidade em cortiços e ocupações na cidade por meio do programa Cidade Solidária. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), 2.732 famílias têm recebido mantimentos na região central e orientações por meio das equipes de saúde do Consultório na Rua e Nasf (Núcleo de Apoio à Saúde da Família).
A prefeitura também afirma em nota que, em um mês, mais de 800 toneladas de mantimentos foram arrecadadas e distribuídas.

A administração municipal conta que identifica os locais que mais necessitam de doações de alimentos e kits de higiene e que instalou pias públicas. Afirma também que oferece o Programa “Tem Saída”, para mulheres em situação de violência doméstica.

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