Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Quarentena do coronavírus vai dar força ao pornô feminista

Pela 1ª vez comandado por uma mulher, Grupo Playboy já tem maioria de assinantes do sexo feminino

São Paulo

Primeira mulher a assumir o posto de diretora-geral do Grupo Playboy, em janeiro, a carioca Cinthia Fajardo, de 45 anos, viu a audiência do site pornô Sexy Hot, principal canal da empresa, aumentar 486% em só nove dias de quarentena do coronavírus. Como parte do que ela chama de "contribuição de entretenimento" durante o isolamento social, a empresa lançou a plataforma "Fique em Casa", com vídeos abertos a não assinantes. "Espero que inspire muitos casais e solteiros", diz Fajardo.

Alguns dos títulos são "A Primeira Vez a Três", "Iniciação Acadêmica" e "Putaria na Sala de Aula". E dá para se divertir com eles. No sentido de serem bem-humorados mesmo. O primeiro, por exemplo, é um esquete com atores longe de serem sex symbol e até por isso apresenta o sexo de forma mais natural --o sujeito faz uma pizza e entra com ela no quarto ao se dar conta que as meninas estão no rala e rola. No segundo, a protagonista toda certinha lembra um animê japonês.

Quem quiser se aventurar na seção paga terá obras como os inusitados "Atividades para um Dia Chuvoso" e "Quem Disse que Nerd não Transa?".

Confortável no cargo --ela foi durante oito anos gerente de marketing da empresa da Globosat-- e com seus colegas de trabalho, a maioria, mulheres, ela descreve sua visão um tanto disruptiva do mundo pornô com uma previsão ambiciosa para o atual período de isolamento --segundo ela, a quarentena "vai reforçar o pornô feminista".

"Temos um olhar feminino do argumento do filme à produção. Sabemos que sexo é uma questão relevante tanto para quem está sozinho ou sozinha quanto para casais. Por isso, pode ser importante também para as mulheres assistir a um filme pornô. Ter a consciência de que existem mulheres em toda a cadeia do processo, envolvidas desde o roteiro, passando pela produção, atuando e dirigindo vários filmes do Sexy Hot", diz Fajardo.

E a presença feminina é realmente expressiva também em números --80% do quadro de 21 funcionários do canal são mulheres.

Desbravar um mundo novo de filmes adultos também inclui a busca de atores e atrizes que fujam do estereótipo comum de artista pornô, com corpos sarados, bumbuns siliconados ou seios turbinados. A ideia, segundo ela, é mesclar essas pessoas mais acessíveis com as porn stars já famosas. É um mundo que foge do "clichê do encanador", mas mantém o espaço da fantasia.

A quarentena já promoveu mudanças em algumas características tradicionais do mercado de filmes adultos. Os maiores picos de audiência na plataforma aconteciam durante o horário de almoço, das 12h às 15, e depois das 21h. A partir do dia 15 de março, o site apresentou um aumento de consumo de conteúdo das 15h às 19h.
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Os dados sobre o canal durante a quarentena são surpreendentes. Como você analisa isso? Criamos uma quantidade de filmes e os colocamos em um espaço chamado 'Fique em Casa', que é a nossa contribuição de entretenimento à população. Pois somos um canal pago. É curioso que antes a pessoa acessava depois do trabalho, já em casa, e agora a gente vê que talvez os trabalhos se flexibilizem mais, as pessoas não precisam pegar trânsito e o pico de acesso acontece mais cedo.

Diretora-geral do Grupo Playboy do Brasil, Cinthia Fajardo
Diretora-geral do Grupo Playboy do Brasil, Cinthia Fajardo - Divulgação

Qual a aposta de vocês agora? São duas, o Sexy Hot Produções e o Sexy Hot Universitários. Em 2007 criamos o projeto Sexy Hot Produções com o intuito de fomentar a indústria pornô e fazer filmes com cada vez mais qualidade técnica, um roteiro mais bem trabalhado e produzido. E acabou virando um selo que criamos. Nos filmes que produzimos, acompanhamos todas as etapas, desde a escolha do roteiro, do argumento, do elenco, da locação, da gravação até a produção final do filme. Encomendamos um elenco novo, para mesclar com pessoas que já são porn stars. Tentamos trazer atores e atrizes que fujam do estereótipo comum do filme pornô. Buscamos pessoas com corpos mais acessíveis de todos os tipos, para a gente trazer essa diversidade também.

E o papel da mulher nesse contexto do feminismo? Tem muitos filmes que têm mulheres nas gravações ali atrás das câmeras. Pode ter histórias que sejam fantasia, mas também outras que tenham um enredo mais crível, perto do dia a dia das pessoas, que fujam do clichê do encanador que bateu na porta da pessoa e de repente aquilo ali vira uma cena de sexo.

É, por exemplo, parar de focar sempre a bunda da mulher para, de repente, dar um novo olhar à cena? Sim, estamos encomendando e focando bastante filmes que retratem o prazer feminino. Que não seja só algo que satisfaça o homem. A gente quer que a mulher seja nossa consumidora, sem excluir o homem, mas retratar mais a mulher e o prazer feminino no filme. São pontos de atenção que a gente tem. Usamos camisinha em todos os filmes e temos na produção um cuidado especial com a mulher, com que ela seja bem tratada em todas as etapas, com o bem-estar de quem está fazendo a cena.
O que você quer dizer quando fala sobre olhar feminino?"‚ Quando eu digo isso é em várias esferas, pode ser desde uma mulher atuando na direção, o que resulta em certo ângulo da câmera, aquele zoom ou não que se dá à cena, àquele cuidado maior. Esse cuidado que o olhar feminino traz até para a história. Que seja algo que retrate também o prazer feminino. Muitos filmes acabam com a cena da ejaculação masculina, o retrato do prazer masculino. E ninguém nem sabe se a mulher chegou ao orgasmo. Ter esse olhar feminino, de que, por exemplo, o sexo oral seja feito nela também, é bom em todos os aspectos.

E você acha que a quarentena dá a oportunidade de vocês mostrarem o olhar feminino ou feminista dos filmes de vocês para mais gente? A maioria das pessoas está passando muito mais tempo em casa durante a pandemia do coronavírus. Sabemos que sexo é uma questão relevante tanto para quem está sozinho ou sozinha, quanto para casais. Por isso, pode ser importante também para as mulheres assistir a um filme pornô, assim como é para os homens. Buscamos diversidade e temos opções de produções em que o ponto de vista feminino aparece. Parte do acervo do Sexy Hot, que disponibilizamos de graça nesse período, pode ser uma escolha da mulher também, seja para si própria, ou para apimentar uma relação a dois. Se considerarmos que as pessoas estão com mais tempo e buscam opções de entretenimento, a quarentena reforça o pornô feminista. É uma fonte de inspiração.

E do que trata o Sexy Hot Universitários? No ano passado criamos esse projeto que, num primeiro momento era só para estudantes de cinema e comunicação, para que tirassem sua criatividade do papel e apresentassem o argumento do roteiro de um filme. A gente quer trazer um público mais jovem, com ideias diferentes, justamente porque a gente deseja ter histórias novas para contar. E foi muito bacana, curtimos o resultado. Neste ano, todo estudante universitário, de qualquer que seja o curso, vai poder participar. E vamos lançar no final desta semana a seleção. Sei que muitos estudantes estão em casa e com tempo livre. Criamos um hotsite para que mandem esses argumentos. Quando a quarentena passar, pegamos um que vira um roteiro e o autor vai poder ver a sua ideia virar filme.

Você acha que tem muita gente que não via pornô e que está começando a ver na quarentena? Olha, não tenho nenhuma pesquisa. Mas acho que sim. Espero que sim, espero que a gente possa levar inspiração para mais pessoas, tanto para solteiros quanto para quem está em um relacionamento, porque o filme pornô, para muitas pessoas, e isso sim a gente já viu em pesquisas, acaba servindo de estímulo de forma auditiva e visual. É um ponto de partida para muita gente sair do óbvio. Poxa, todo dia a gente faz do mesmo jeito e na mesma cama. Por que a gente não pode fazer algo novo?

O que acha que mudou para o público cativo com a quarentena? Espero que mude o olhar da relação e abra a mente para fantasias ou fetiches que as pessoas tinham e não colocavam em prática. Somos muito ativos no Instagram e no Twitter e recebemos bastantes comentários de mulheres que curtem.

Mulher é hétero, lésbica, os dois grupos? Há separação? Fazem filmes para lésbicas? Não perguntamos a orientação sexual nas pesquisas. Hoje nossos filmes são para heterossexuais, mas não significa que o gay não se interesse. Eu sempre falo o seguinte quando vou dar treinamento para as centrais que comercializam o canal: 'A gente não julga quem assiste. A gente dá o conteúdo e quem gostar, independentemente da orientação sexual, é bem-vindo'.

O que está achando do cargo de diretora? Ser mulher é uma questão? Sempre há aquele olhar masculino diferente. É um desafio, mas uma ótima oportunidade. A Playboy Brasil distribui várias marcas de produtos adultos. Os principais são Sexy Hot e Playboy TV. E, não, graças a Deus, não, nunca passei por uma situação por ser mulher. Teve uma ou outra piadinha que eu precisasse ser mais ríspida. Eu já trabalhava na TV por assinatura, então, quando vim para a Playboy, eu vi um gênero, assim como já trabalhei no Multishow, do gênero do entretenimento. A gente já chega se colocando de forma profissional e já não dando espaço.

E em termos de produção, a quarentena atrapalhou? Toda a equipe está em casa. Cancelamos produções e tivemos que pausar gravações agendadas, respeitando o isolamento. Temos um acervo comprado que vai garantir as estreias do semestre, mas há outras coisas que foram adiadas. Vamos mudar na semana que vem o layout do nosso site, que era algo que já tínhamos pensado antes e resolvemos pôr no ar agora.

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