Drama do novo coronavírus assusta até quem vive sob tensão

Em visita a UTIs em SP, reportagem mostra a rotina de médicos e pacientes

São Paulo

O Hospital Emílio Ribas (zona oeste de SP) sempre contou com pacientes graves e seus profissionais, ao longo da história, são pessoas acostumadas a desafios. Mas, cerca de três meses depois da chegada dos primeiros pacientes com coronavírus, algumas situações ainda perturbam até mesmo os mais experientes.

No último dia 5, a reportagem esteve na unidade. Nos leitos da UTI lotada, muitos pacientes intubados, como em um sono profundo, tinham entre 30 e 45 anos. Quem cuida deles são pessoas cobertas dos pés à cabeça por fora, mas com medos e angústias comuns a todos que entendem a gravidade da pandemia de Covid-19.

“O que mais me chocou foi não vivenciar um processo de morte natural, quando a família está presente e se despede. Para quem perde um familiar, é uma situação dramática”, afirmou a intensivista e infectologista Juçara Batesini, ao lado de um dos leitos com pressão do ar diferenciada, para evitar que o vírus se espalhe pelo corredor.

 profissional de saúde atende paciente internado no Hospital de Campanha do Ibirapuera, na zona sul de SP
Profissional de saúde atende paciente internado no Hospital de Campanha do Ibirapuera, na zona sul de SP - Ronny Santos/ Folhapress

Quando o profissional da saúde vira, ele próprio, um paciente, o trabalho para os outros pode ser até redobrado. “A gente já teve enfermeiros, colegas de profissão, que foram difíceis de convencer sobre a necessidade de intubação”, diz a infectologista e intensivista Maria Eliza Jacob de Souza.

Fisioterapeuta do Emílio Ribas desde 2012, Camila Muniz Cordeiro diz que a tensão é constante e que, hoje, não consegue dormir em paz. “A gente está acostumado a atender pacientes graves, de alta complexidade. Mas não chega nem aos pés do que acontece agora.”

Camila conta que profissionais ainda usam uma “colinha” para saber a sequência dos equipamentos de proteção individual. Não é para menos, afinal, ela participa de um dos processos mais estressantes, que é a retirada do tubo das vias respiratórias, quando o paciente lança um aerossol de vírus no ar.
“O índice de contágio é muito alto. Muitos colegas, mesmo com todo o cuidado, acabam ‘positivando’. Nunca vi nada assim. Qualquer deslize, corre o risco de pegar”, conta.

Medo de levar doença para casa é intenso

Coordenadora da reabilitação do Hospital Emílio Ribas, Graziela Ultramari Domingues cuida da equipe responsável por fazer pacientes recuperarem a condição física e psicológica. Em meio à luta diária, também tem outras preocupações.

“Além de ter a atenção ao paciente, você tem a tensão de fazer tudo certinho para não quebrar nenhuma barreira de segurança. Tenho duas crianças em casa e não quero levar nada para lá”, diz. “Não pensei em viver na profissão nada com essa intensidade”, afirma.

Pacientes rejeitam a respiração mecânica pelo temor da morte

O Hospital de Campanha do Ibirapuera também tem apresentado desafios para os profissionais da saúde. Montada às pressas para dar conta dos contaminados pelo coronavírus, a unidade contava com 181 pacientes internados até a manhã de sexta-feira (12).

Coordenadora médica da unidade de estabilização do hospital, Eloisa Bohnenstengel afirma que a luta contra a pandemia tem apresentado um tipo diferente de paciente. São pessoas que têm baixo índice de oxigenação, mas que se sentem aparentemente bem e, por isso, não querem ser intubados. “Uma situação muito frequente, quando vem para esse setor, é dizer ‘eu não quero ser intubado’. Porque eles sabem que as pessoas que morrem são aquelas que foram intubadas”, afirma.

Segundo a médica, é necessário um processo de convencimento. “Em outras doenças, o paciente fica mal de repente e você nem pergunta, porque é um risco iminente à vida. Aqui, a gente está indicando para uma pessoa consciente, que não está se sentindo tão ruim”, diz.

Durante a visita à unidade no último dia 5, a reportagem passou por uma paciente de 17 anos que acenou do leito e, minutos depois, foi intubada. “É uma movimentação que gera uma tensão. É um estresse também para a equipe, porque é um momento crítico”, afirma Eloisa.

Atenção é dividida com familiares

O setor de cuidados paliativos do Hospital Emílio Ribas, que antes focavam o atendimento dos pacientes próximos ao fim da vida, passou também a atuar no suporte aos familiares de doentes com Covid-19. Segundo os médicos, a doença costuma afetar mais de um integrante da família. “São pessoas que já perderam alguém ou têm outros familiares internados. É devastador”, diz a responsável Taciana Oliveira.

Internados reconhecem esforço de equipe

Toda a dedicação empenhada por profissionais da saúde não passa despercebida pelos pacientes nos hospitais. “Não é brincadeira. A equipe médica que conheci dobrava três noites seguidas. Via durante o dia e três noites. Eu perguntava ‘vocês não param?’ E eles diziam que dormiam um pouco”, afirma a modelista Aurineide Cavalcanti Guimarães, 63 anos, que ficou no Hospital Emílio Ribas.

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