Esteira alugada vira alternativa para exercícios durante pandemia por coronavírus

Equipamento pode ser pago por mês e virou saída para o fechamento de parques na quarentena

São Paulo

Ficar trancado em casa, com receio de se contaminar ao fazer uma mera caminhada na rua, levou muita gente a procurar esteiras ainda em março, no início da quarentena provocada pelo coronavírus. Dois meses depois, os estoques estão praticamente zerados em empresas de aluguel do equipamento, que custa a partir de R$ 120 ao mês.

Parques e academias estão fechados, muitos passaram a trabalhar em casa e perderam até a chance de ir a pé para o serviço. Restou a esteira, como é o caso da empresária Nara Moura.

“Tinha o hábito de caminhar até o trabalho, mas estou trabalhando em casa. Tenho histórico de pré-diabetes. Um dos requisitos para manter o equilíbrio é fazer exercícios”, diz.

Depois de subir e descer escadas e cogitar caminhadas ao redor da sala, ela optou pela esteira. “A gente precisa do hormônio da felicidade e o exercício permite isso”, afirma.

Durante uma 1 hora e 20 minutos diariamente, Nara aproveita também para ler enquanto caminha. Também serviu de exemplo para o filho de 15 anos sair dos jogos virtuais e adotar a atividade física. “A minha casa hoje não tem metros. Ela tem quilômetros.”

A advogada Claudia Zaitz diz que veio uma sensação de desespero com a quarentena. Foi então que surgiu a ideia de alugar a esteira. “Você se protege e não precisa deixar de fazer o exercício”, afirma.

Claudia conta que até tentou, mas não conseguiu se motivar com os vídeos no YouTube. A corrida na esteira veio como alternativa. “Gosto mais de nadar do que de correr. Já fiz maratona aquática. Mas correr é o possível de se fazer agora”, diz. “Coloco música, fone e televisão e me desligo.”

Dona de um ateliê de doces, Denise Grunebaum, 43, diz que estava fora da academia havia um ano e que a necessidade de praticar atividade veio com o medo do confinamento. “A sensação é de que todo mundo está enlouquecendo e eu precisava de alguma coisa. A esteira virou essa oportunidade”, afirma.

Segundo Denise, alguns problemas técnicos com o equipamento quebraram um pouco a motivação inicial. “Não tenho gostado muito, não, mas estou tentando”, diz.

Locador diz que negócios triplicaram

O setor de locação e venda de esteiras está na contramão da crise. As empresas viram o movimento triplicar e os estoques estão praticamente zerados.

“É um público que frequenta a academia e não quer perder o treino até voltar. Os que já são acostumados não pensam duas vezes em alugar”, afirma Fernando Benatti, responsável pela Ergolife, que multiplicou por três os negócios. “Só foi possível porque temos estrutura de fábrica.”

Segundo Benatti, o movimento crescente fez com que a empresa conseguisse manter os empregos. “A gente torce para que as pessoas se reeduquem a treinar em casa”, diz.

Responsável pelo marketing em vendas na Evolution Fitness, Elcio Juniti também viu negócios triplicarem. “Quem tem procurado são pessoas físicas mesmo, não academias e condomínios. Até quem odeia fazer exercício está comprando, porque está confinado”, diz.

Juniti afirma que o custo tem aumentado e por outro motivo, que não a demanda. A maioria das peças é importada. “Quando renova o estoque, paga R$ 6 o dólar.”

Além da mudança no público, o tipo de produto também é bem específico, segundo o coordenador de marketing da New Life, André Tschishar, que recebeu uma enxurrada de ligações com a pandemia.
“São equipamentos cardiovasculares, como esteira, elíptico e bike.

Executivo contratou uma academia inteira em casa

Alugar uma esteira para atravessar a quarentena com saúde, dentro de casa, não é o suficiente para todo mundo. O CEO (diretor-executivo) de empresa Marcelo Grasti, 47 anos, optou por contratar equipamentos para montar a academia inteira. “Tenho esteira, bicicleta ergométrica, transport e cadeira abdutora.”

O filho do executivo, Rafael Grasti, é piloto de corrida de carros e isso influenciou na opção por academia completa. “Ele tem uma rotina muito ativa de treinos. A gente tem também um personal trainer, que acompanha as aulas online e auxilia nos exercícios”, diz. “Já existia um espaço em casa para montar a academia. Nunca tinha sido feito nada”, afirma.

Segundo Grasti, alugar a academia inteira saiu pela metade do preço do que pagar uma academia para toda a família, levando em consideração que, além dele e do filho, sua mulher e a namorada do piloto também usam. “No fim, reduzi o custo”, diz. “Em contrapartida, quando estou cansado, não tenho como fugir. Paro o carro e já vejo a academia me esperando”, diz.

Aplicativos ajudam a realizar treinos sem colocar os pés na rua

Qualquer um dos mais de 258 mil inscritos do canal Corrida no Ar sabe que o influenciador digital Sérgio Rocha sempre odiou a esteira. Com a quarentena e desesperado para correr, ele conseguiu o equipamento por empréstimo de um ex-aluno da sua mulher, que é professora de inglês. “Eu odeio, mas virou uma necessidade”, diz.

O que ele descobriu também é que a brincadeira poderia ficar mais agradável com o uso de aplicativos que simulam corridas reais, com uma tela em frente à esteira, como em um videogame. “É um negócio viciante”, afirma Rocha.

Por meio de outro aplicativo, ele consegue conversar com pessoas em qualquer lugar do mundo que estão fazendo o mesmo trajeto virtual, o que torna o treino solitário mais interativo.

Também é possível ser mais solidário. No último dia 16 de maio, Rocha percorreu a distância de uma maratona (42.195 metros) sobre a esteira, em transmissão ao vivo por 10 horas em seu canal. Arrecadou entre os seus seguidores mais de R$ 13 mil em doações para a Ação da Cidadania, que transforma grana em alimento para população carente.

Correr sem sair do lugar é uma forma de manter corpo ativo

Para quem não pode ou não quer alugar uma esteira, outra opção que tem surgido nos últimos tempos é praticar a corrida estacionária. Nada mais é do que “correr” sem sair do lugar, movimentando braços e pernas sincronizadamente.

Responsável pelo canal Mania de Corrida, no YouTube, Marcel Agarie, 40 anos, afirma que esse foi um dos meios encontrados para se manter na ativa. Ele optou por ficar em casa até para não desestimular o isolamento social por parte dos seus seguidores. “Larguei os treinos na rua no começo de março.

Até por causa do canal, para produzir conteúdo, comecei a procurar formas de me movimentar”, afirma. “Na corrida estacionária, você consegue marcar distância pelo movimento do braço [com aplicativo ou smartwatch]”, diz.

Segundo Agarie, tanto um fisiologista quanto o seu treinador deram aval para a atividade. “As pessoas só precisam tomar cuidado com o tempo de prática. Eu faço 30 minutos por dia e termino suando em bicas”, diz. “Força bastante panturrilha. Ao menor sinal de dor, é melhor parar. E, claro, respeitar seu condicionamento físico”, afirma.

Prática de atividades físicas requer cuidados

Seja com uma esteira solitária ou com a academia completa, a empolgação com a atividade física requer alguns cuidados.

Professor visitante de pós-graduação em educação física na Universidade Federal de Santa Catarina, Benedito Sergio Denadai diz que é preciso estar atento a fatores como obesidade, pressão arterial elevada, diabete, alteração na concentração de gordura no sangue. Particularmente, em pessoas acima dos 40 anos.

“Precisariam de alguma avaliação clínica e alguma supervisão de profissional de educação física”, diz.
Denadai afirma que, durante a pandemia, as pessoas mais velhas podem ter a saúde afetada drasticamente. “O grande problema é a inatividade. Tem um agravo de saúde muito grande. A restrição de deslocamento é comprometedora. O idoso perde muito rapidamente a capacidade funcional. Era ativo, fazia compras, passeava com o cachorro e agora não mais. Além do aspecto emocional”, afirma.

O professor lembra também que, sem movimento, o corpo perde massa magra e ganha muita gordura.

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