A pandemia do novo coronavírus e a necessidade de isolamento social fizeram com que as reuniões promovidas por grupos de anônimos fossem transferidas para a internet.
A novidade foi bem aceita pelos participantes, que encontraram uma forma de manter o convívio e a partilha das suas vitórias e desafios, mesmo que online.
Na última quarta-feira (17), a reportagem participou como convidada de uma reunião online dos Narcóticos Anônimos. Por cerca de uma hora e 15 minutos, as 16 pessoas presentes na sala puderam fortalecer os laços, mesmo estando em cidades distantes umas das outras.
Logo no início, é pedido que a pessoa use fones de ouvido (para não expor os demais) e que não movimente demais a câmera do celular, até para facilitar a transmissão de dados. Segundo um dos condutores do encontro, são cerca de 1.700 reuniões virtuais por semana em todo o país.
De São José dos Campos (91 km de SP), uma das participantes afirmou que vive em uma região rural e que, por dificuldade de locomoção, já havia participado de sessões online anteriormente. “Vejo o amor incondicional, a partilha, o respeito dos companheiros, a ajuda das pessoas”, disse. “A única coisa que falta é o abraço”, completou.
Outro participante, da zona sul da capital paulista, afirmou que achou estranho no início, mas depois aprovou. “Falta a atmosfera, o contato, mas supriu a necessidade que tinha de estar próximo do programa, da partilha. Isso tem me ajudado demais”, disse.
Um dos porta-vozes dos Narcóticos Anônimos disse que a novidade deve continuar quando for permitido o convívio social. Mas ressalta que as reuniões presenciais são fundamentais. “A hegemonia segue com abraço, afeto, olhar, aproximação física, no sentido de poder acolher, estender a mão, caminhar juntos”, diz.
O representante da irmandade lembra também que a reunião presencial deve continuar por outro motivo. “Uma grande parte das pessoas que iniciam sua trajetória chega muito destruída e vulnerável. Talvez não tenham acesso a essas plataformas digitais”, conta.
Álcool e cigarro têm maior consumo durante pandemia
Pesquisa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz apontou piora nos comportamentos não saudáveis entre os brasileiros durante a pandemia do novo coronavírus. Aumento no consumo de álcool e cigarro estão entre os pontos detectados pelo levantamento.
“A interpretação é de que existe um componente psicológico causado pela quarentena, pela angústia de não saber sobre futuro ou de ver parentes e amigos com Covid-19. Também há angústia por não termos uma vacina no momento, além da possibilidade da chegada de uma segunda onda, como já tem ocorrido em outros países”, afirma a pesquisadora titular da fundação, Celia Landmann.
A pesquisa desenvolvida pela Fiocruz mostra que 18,1% das pessoas disseram ter consumido mais álcool e 27,9% dos fumantes aumentaram em dez ou mais o número de cigarros por dia, com a pandemia.
Mais tempo em frente à TV, consumo maior de alimentos de doces e chocolates, aumento do sedentarismo e dificuldades para realizar atividades domésticas estão entre outros componentes que ressaltam o tamanho do mal-estar do brasileiro durante a pandemia.
A pesquisadora conta que o isolamento provocou mudanças no comportamento das pessoas. “A gente tem esses relatos de sentimentos de ansiedade e nervosismo, depressão e tristeza, solidão e isolamento”, diz. “Quase um terço da população disse que a saúde piorou durante a pandemia. Todos os fatores estão ligados”, afirma.
Especialista vê como boa alternativa
O psiquiatra e especialista em dependência química Arthur Guerra afirma que as reuniões online são uma alternativa para minimizar os problemas causados pelo consumo de drogas durante a pandemia.
“Não com a mesma eficiência dos encontros presenciais, mas é o que há para o momento. Ainda bem que temos as plataformas virtuais para fazer essas reuniões, para debater, discutir os problemas”, afirma.
O psiquiatra afirma que as reuniões online são um “modelo que veio e vai ficar”. “Muitas vezes, uma pessoa em um grupo de AA [Alcoólicos Anônimos], por exemplo, tinha que viajar e perdia o contato. Ou era obrigada a entrar em um grupo novo no local para onde ele foi”, afirma Guerra.
Investidores têm procurado por auxílio
Grupos anônimos de jogadores compulsivos também têm usado a internet para substituir, temporariamente, as reuniões presenciais. Além daqueles que se arriscam em apostas convencionais, também têm aparecido outro tipo de pessoa que arrisca a sorte nos números: os investidores de Bolsa de Valores.
Com as variações provocadas pelos momentos de incerteza, não são poucos aqueles têm sofrido grandes perdas na Bolsa e procurado ajuda nos grupos anônimos.
“A Bolsa continua aberta e faz com que a pessoa fique, de casa, jogando o dia inteiro. É uma aposta e é algo seríssimo. Temos alguns irmãos participando das reuniões online e os relatos assustam, de pessoas que perderam milhões em questão de dias”, afirma um porta-voz da entidade em São Paulo, que está há cinco anos sem jogar e hoje ajuda os demais. “A gente chama ilusoriamente de investir, mas para um compulsivo não é assim”, completa.
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