“Um dia, meu ex-marido chegou e disse que era difícil conviver. Eu era da segunda turma de cinema da ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), resolvi assumir o cinema na minha vida. Começou a ficar difícil, porque eu tinha de filmar, viajar, voltar e não abria mão. Aí não deu mais certo, porque era o cinema ou ele.”
Assim Suzana Amaral, uma das principais cineastas do Brasil, que morreu no dia 25 aos 88 anos, resumiu, em depoimento no livro “Os Filmes da Minha Vida 2”, da Mostra Internacional de São Paulo, sua opção de se dedicar ao cinema quando tinha cerca de 40 anos, estava casada havia 20 anos e era mãe de oito de seus nove filhos.
A diretora fez o curso de cinema da USP entre 1968 e 1971. No ano seguinte à conclusão, deu aulas de roteiro e fotografia na mesma faculdade. Em 1976, foi para os Estados Unidos, fazer um mestrado em direção de cinema em Nova York. Também cursou atuação e direção de filmes na famosa escola nova-iorquina Actor’s Studio.
Foi o começo de 35 anos dedicados ao cinema e ao audiovisual, que incluíram trabalhos como roteirista, crítica e direção de documentários para a TV Cultura. Dirigiu três longas de ficção, todos inspirados em obras literárias e dois deles centrados em figuras femininas.
Tinha mais de 50 anos quando lançou o primeiro, “A Hora da Estrela”, baseado no romance de Clarice Lispector, em 1985. O filme recebeu vários prêmios, entre eles o Urso de Prata do Festival de Berlim, para a atriz Marcélia Cartaxo, e seis Candangos do Festival de Brasília. Em 2001, lançou “Uma Vida em Segredo” e, em 2009, “Hotel Atlântico”.
No relato à Mostra, Suzana falou dos filmes que a moldaram. Desde criança, em São Paulo ou em Santos, onde viveu com a família, o cinema fez parte de seu dia a dia. “De repente, comecei a fazer um balanço e entrei em um túnel do tempo, percebi o quão importante o cinema foi na minha vida, não só no sentido de ser espectadora”, afirmou. A seguir, estão alguns dos filmes e atores que ajudaram a formar a cineasta Suzana (os preços e a disponibilidade dos filmes foram pesquisados no dia 3 de julho).
ONDE VER
UMA VIDA EM SEGREDO (2001)
Spcine Play: grátis
HORA DA ESTRELA (1985)
Spcine Play: grátis
SHIRLEY TEMPLE
No depoimento à Mostra Internacional de Cinema, Suzana falou sobre a primeira vez em que foi ao cinema, quando criança. “Meu pai chegou e disse: ‘Hoje nós vamos ao cinema’. E eu nem sabia o que era o cinema naquela época”, disse. Em uma sala na rua da Consolação, ela assistiu a “Mascote do Regimento” (1935), com a estrela mirim Shirley Temple.
“Quando começou e vi aquela menina da minha idade sapateando como uma pin-up girl, aquilo me surpreendeu tanto e eu fiquei tão emocionada, queria ver mais e mais.” Os visual de Shirley também chamou a atenção de Suzana. “Meu cabelo era liso e achei lindo aqueles cachinhos”, contou.
A então menina se tornou fã da atriz mirim. “Nessa época do star system, eram os artistas que determinavam a escolha dos filmes. Os dela eram os meus favoritos. Minha mãe muitas vezes tinha que ir ao cinema olhar a roupa da atriz, porque eu só queria usar vestidos que fossem iguais aos dela”, disse a diretora à Mostra.
ONDE VER
Old Flix: “A Mascote Do Regimento”, “A Pequena Órfã”, “A Pequena Rebelde” e “O Anjo do Farol”, todos grátis para assinantes
Looke: “A Princesinha”, grátis para assinantes ou R$ 3,99 (aluguel) e R$ 12,99 (compra)
FRED ASTAIRE E GINGER ROGERS
Suzana contou no depoimento à Mostra que por volta dos 11 anos seu pai a levou a um baile de Carnaval no cinema Coliseu, em Santos. Lá, ela soube que haveria um concurso de dança, e o prêmio seria uma entrada de cinema válida por um ano.
Não era necessário se inscrever. Bastava ir ao palco e dançar. “Eu subi lá e sapateei feito uma doida, tudo o que aprendi comigo mesma e na ‘graduação’ com a Shirley Temple e com o que eu gostava na época, que eram os musicais do Fred Astaire com a Ginger Rogers”, contou a diretora.
“Dancei sonhando que era a Ginger Rogers, nos passos que lembrava dos dois, só que daquele jeito meia-boca, de amadora metida”, disse. Resultado: ela venceu o concurso e levou o prêmio de um ano de entrada grátis, com direito a acompanhante. As matinês de domingo estavam garantidas.
ONDE VER
Looke: “Roberta”, grátis para assinantes ou R$ 3,99 (aluguel) e R$ 14,99 (compra)
GILDA (1946)
Em outro trecho da conversa com a Mostra, Suzana Amaral afirmou que, ao entrar no colegial, ainda assistia filmes comerciais, principalmente americanos, mas os “que faziam pensar um pouco mais, saíam do universo do espetáculo puro”.
Dessa época, Suzana citou “Gilda”, clássico com Rita Hayworth, dirigido por Charles Vidor. “Comecei a me interessar muito pelas reivindicações sociais”, disse.
Os filmes eram acompanhados da leitura de Karl Marx. A diretora também ressaltou a importância dos filmes do cineasta Elia Kazan, como “Sindicato de Ladrões” (1954), que a fizeram pensar “a respeito de alguma coisa a mais que não fosse só entretenimento e namoricos de sala de cinema”.
“Comecei a olhar para dentro de mim e buscar uma reflexão sobre o mundo, descobrir o mundo à minha volta. Comecei a descobrir as injustiças sociais”, disse.
ONDE VER
iTunes: R$ 4,90 (aluguel) e R$ 9,90 (compra)
Vivo Play: R$ 6,90 (aluguel)
GODARD E EISENSTEIN
A temporada de estudos nos Estados Unidos foi importante para a formação de Suzana como diretora. No depoimento à mostra, ela contou que, neste período, descobriu ou redescobriu filmes que não encontrava ou não conhecia, como os dirigidos pelo Jean Luc Godard, um dos expoentes da nouvelle vague, e Serguei Eisenstein. “Senti que estava crescendo e digo, francamente, que tudo o que eu sei de cinema aprendi nesses três anos que fiquei lá”, disse no depoimento.
ONDE VER
JEAN LUC GODARD
“Acossado”: no iTunes por R$ 11,90 (aluguel) e R$ 12,90 (compra), no Google Play por R$ 3,90 (aluguel) e R$ 24,90 (compra) e na Microsoft Store por R$ 4,90 (aluguel) e R$ 19,90 (compra)
SERGUEI EISENSTEIN
“Encouraçado Potemkin”: grátis para assinantes ou R$ 4,99 (aluguel) e R$ 19,99 (compra)
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.