Ficar trancado dentro de um veículo transportando outras pessoas pela cidade em plena pandemia faz dos motoristas de táxi e aplicativo alvos fáceis do novo coronavírus. Na luta pela sobrevivência, eles se arriscam e, muitas vezes, acabam contraindo a Covid-19.
Eder Gonçalves Ribeiro, 36 anos, está nas ruas como motorista de aplicativo há quase quatro anos. No meio de maio, esteve cara a cara com o coronavírus e acabou passando 15 dias afastado do trabalho. “Foi uma indisposição muito grande. Uma dor no corpo e um cansaço que nunca havia sentido. Ficar dez minutos em pé era extremamente exaustivo. Muita dor de cabeça e muita dor nas costas”, afirma.
Ribeiro não precisou ficar internado, mas viu a mulher e a filha de 2 anos também contraírem o vírus. O motorista não sabe dizer quando e por quem foi contaminado, até pelo fato de transportar, em média, cerca de 200 passageiros por semana. Mesmo já tendo sido vítima, ele mantém a prevenção. “Como nenhum estudo é conclusivo a respeito de um novo contágio, continuo tomando todos os cuidados. Não entro com a mesma roupa em casa, tem um álcool em gel para mim e outro para passageiro”, conta.
“Não desejo nem para o meu inimigo”. É assim que o taxista Marcelo Luperini Oliveira, 41 anos, descreve os efeitos da Covid-19, que o deixou por dez dias internado no Hospital Regional Sul, em Santo Amaro (zona sul), em maio. “Tem pessoas para quem eu falo e que não acreditam. Quando cai lá dentro, você vira uma criança”, diz o condutor, que não sabe como pegou a doença.
O motorista diz que é “teimoso” e que também não dava a mínima para o coronavírus até se contaminar, quando viu a família preocupada se ele voltaria com vida ou não do hospital. “A cabeça ficou a milhão. Não consegui dormir por quatro dias. Olhava para as lâmpadas e orava a Deus”, conta.
Hoje, não vacila. “Quando a pessoa sai do carro, limpo maçaneta, limpo tudo. Tenho que cuidar de mim e dos meus passageiros.”
Profissional aumenta cuidados após ser contaminado com Covid
O motorista Evandro Luiz Dias Fonte, 28 anos, conta que talvez seja o primeiro condutor parceiro de aplicativos a contrair o coronavírus, ainda na segunda semana de março. Tosse, febre, indisposição e até o céu da boca escurecido fizeram com que mudasse completamente a sua rotina ao voltar às ruas, após 45 dias de afastamento. “Uso máscara. Não é mais acessório, faz parte do meu dia a dia”, diz.
Embora tome todos o cuidados, Fonte ainda é obrigado a lidar com passageiros que não querem perceber os riscos da doença. “O pessoal não acredita, mas eu senti na pele”, diz. Quando algum descuidado aparece sem máscara, ele oferece uma descartável.
Além das máscaras e do álcool em gel, um dos processos que também colaboram para a higiene do veículo é a oxisanitização, que elimina vírus e bactérias, com efeito prolongado por 72 horas, segundo o gerente administrativo da loja Motorista Top, Rodolfo da Costa Alves.
Pontos em hospitais são de alto risco
O coronavírus também ronda motoristas de táxi que fazem ponto em frente aos hospitais. Em pouco mais de três meses, são muitas as histórias sobre o transporte de passageiros contaminados e de profissionais da saúde que lidam frente à frente com a doença. Mas a situação mais dramática vivida por eles é a perda de colegas de trabalho para a Covid-19.
Taxista há 56 anos, Daniel Soares de Andrade, 76, viu um parceiro de ponto, em frente ao Hospital Samaritano, na Bela Vista (região central), morrer após contrair o coronavírus. “Ele foi para o hospital em uma sexta-feira, ficou internado por 20 dias e não voltou mais”, afirma.
Para encontrar consolo, Andrade, que é pastor evangélico, assim como o colega que morreu, busca apoio em sua religião. “A Bíblia diz que o justo vive por fé, e eu vivo por fé. A minha segurança não é a máscara, não é o álcool em gel, não é o distanciamento para a outra pessoa. A minha segurança é o Senhor Jesus. ‘Aquele que o pai me deu ninguém toca’, diz em Mateus. Sou intocável por qualquer coisa”, conta, a despeito dos riscos.
Questionado então sobre o motivo de o colega, também pastor evangélico, ter sido levado pela doença, Andrade diz que o motivo cabe a Deus. “Se Ele me recolher agora, não tem problema algum”, conta.
Empresas dizem que adotaram medidas de proteção e higiene
A Uber afirma que, entre outras coisas, implementou uma série de recursos de segurança para diminuir os riscos de contágio. Em junho, diz que inaugurou seu primeiro centro de higienização voltado para motoristas e entregadores em São Paulo. No local, segundo o aplicativo, é possível fazer a limpeza de veículos, retirada de itens de proteção e instalação de divisórias.
Já a 99 diz que adotou uma série de medidas, como o fundo de apoio financeiro aos motoristas diagnosticados com a doença, desinfecção dos carros certificada pela Anvisa, distribuição de máscaras e álcool em gel, instalação de escudos de proteção, entre outras. A empresa diz que também conta com uma opção para que passageiros e motoristas reportem comportamento inadequado relacionado à Covid-19.
A Cabify também diz que, entre outras medidas, distribuiu kits de proteção e película que garante isolamento entre passageiro e condutor.
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