Teto de gastos é atentado contra povo brasileiro, escreve Dilma

Ex-presidente critica editorial da Folha que comparou Bolsonaro à gestão petista

A ex-presidente da República Dilma Rousseff (PT) criticou a fixação de teto de gastos em 2016 pelo Congresso, em resposta a editorial publicado pelo Agora nesta segunda (24) com o título “Jair Rousseff”. O mesmo editorial havia sido publicado pela Folha de S.Paulo em sua edição de sábado (22).

Dilma também se manifestou pelas redes sociais nesta segunda (24). "Criticada pelos leitores, questionada até por sua ombudsman, que chamou o editorial de sábado de 'circo dos horrores', a Folha reage como de hábito: apega-se ao abuso e, por arrogância, repete o insulto: publica o texto infeliz em outro de seus jornais, o Agora SP", escreveu Dilma no Twitter.

A limitação do teto de gastos foi estabelecida por meio da emenda constitucional nº 95 e proíbe que as despesas públicas aumentem acima dos índices de inflação. Foi aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), sucessor de Dilma após o processo de impeachment contra a petista.

No texto, Dilma afirma que “logo ao tomar o poder ilegalmente, os golpistas aproveitaram-se de sua maioria no Congresso e do apoio da mídia e do mercado para aprovar a emenda do Teto de Gastos, um dos maiores atentados já cometidos contra o povo brasileiro e a democracia em nossa história, pois, por 20 anos, tirou o povo do Orçamento e também do processo de decisão sobre os gastos públicos”.

De acordo com a ex-presidente, o teto “criou uma ’camisa de força’ para a economia, barrando o investimento em infraestrutura e os gastos sociais, e ’constitucionalizando’ o austericídio”.

“O Teto de Gastos bloqueia o Brasil, impede o país de sair da crise gerada pela perversão neoliberal que tomou o poder com o golpe de 2016 e a prisão do ex-presidente Lula. E, a partir da pandemia, tornará ainda mais inviável qualquer saída para o crescimento do emprego, da renda e do desenvolvimento”, completa Dilma.

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A ex-presidente Dilma Rousseff - Cynthia Vanzella - 5.mai.18/Folhapress

A ex-presidente também criticou o fato de o editorial do Agora, publicado na noite de domingo (23), ter relacionado possíveis medidas de elevação do gasto público sem limites pelo governo de Jair Bolsonaro com a política econômica adotada pela gestão Dilma.

Segundo o editorial publicado no Agora, “Dilma elevou as despesas do governo sem parar de 2011 a 2015, na ilusão de que assim faria a economia andar. Acabou provocando alta da inflação, do dólar e dos juros, disparada das dívidas, desconfiança dos empresários e uma das maiores recessões da história do país”.

Na carta, a ex-presidente diz que “todas as afirmações do editorial a respeito do meu governo são fake news”.

Segundo a petista, “um país que, em 2014, registrou o índice de desemprego de apenas 4,8%, praticamente pleno emprego, com blindagem internacional assegurada por um recorde de US$ 380 bilhões de reservas, não estava quebrado, como ainda alega a oposição”.

Veja abaixo íntegra da carta de Dilma Rousseff:

“A FALHA DE S.PAULO” ATACA OUTRA VEZ?

A Folha tem enorme dificuldade de avaliar o passado e, assim, frequentemente erra ao analisar o presente.

Foi por avaliar mal o passado que a empresa até hoje não explicou porque permitiu que alguns de seus veículos de distribuição de jornal dessem suporte às forças de repressão durante a ditadura militar, como afirma o relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Foi por não saber julgar o passado com isenção que cometeu a pusilanimidade de chamar de “ditabranda” um regime que cassou, censurou, fechou o Congresso, suspendeu eleições, expulsou centenas de brasileiros do país, prendeu ilegalmente, torturou e matou opositores.

Os erros mais graves da Folha, como estes, não são de boa-fé. São deliberados e eticamente indefensáveis. Quero deixar claro que falo, sobretudo, do grupo econômico Folha, e não de jornalistas.

Quero lembrar, ainda, a publicação, na primeira página, de uma ficha falsificada do Dops, identificada pelo jornal como se fosse minha, e que uma perícia independente mostrou ter sido montada grosseiramente para sustentar acusação falsa de um site fascista. Mesmo desmascarada pela prova de que era uma fraude, a Folha, de forma maliciosa, depois de admitir que errou ao atribuir ao Dops uma ficha obtida na internet, reconheceu que todos os exames indicavam que a ficha era uma montagem, mas insistiu: “sua autenticidade não pôde ser descartada.”

Quem acredita que as redes sociais inventaram as fake news desconhece o que foi feito pela grande imprensa no Brasil a Folha inclusive. Não é sem motivo que nas redes sociais a Folha ganhou o apelido de “Falha de São Paulo”.

O editorial de sábado da Folha sob o título “Jair Rousseff” reproduzido com pequenas mudanças na forma, nesta segunda-feira, 24 de agosto, no ‘Agora São Paulo‘, veículo do mesmo grupo, é um destes atos deliberados de má-fé. É pior do que um erro. É, mais uma vez, a distorção iníqua que confirma o facciosismo do jornal. A junção grosseira e falsificada é feita para forçar uma simetria que não existe e, por isto, ninguém tem direito de fazer, entre uma presidenta democrática e desenvolvimentista e um governante autoritário, de índole neofascista, sustentado pelos neoliberiais no caso em questão, a Folha.

Todas as afirmações do editorial a respeito do meu governo são fake news. A Folha e, por extensão, o Agora São Paulo, falsificam a história recente do país, num gesto de desprezo pela memória de seus próprios leitores.

O editorial repisa a falsa acusação de que o meu governo promoveu gastos excessivos, alegação manipulada apenas para sustentar a narrativa midiática e política que levou ao golpe de 2016. Esquece deliberadamente que a crise política provocada pelos golpistas do “quanto pior, melhor” exerceu grande influência, seja sobre a situação econômica, seja sobre a situação fiscal.

A Folha, naquela época, chegou a pedir a minha renúncia, em editorial de primeira página, antes mesmo do julgamento do impeachment. Criava deliberadamente um ambiente de insegurança política, paralisando decisões de investimento, e aprofundando o conflito político. Estranhamente, a Folha jamais pediu o impeachment do golpista Michel Temer, apesar das provas apresentadas contra ele.

Também não pediu o impeachment de Bolsonaro, ainda que ele já tenha sido flagrado em inúmeros atos de afronta à Constituição, e o próprio jornal o responsabilize pela gravidade da pandemia. A Folha continua seletiva em seus erros: Falha sempre contra a democracia, e finge apoiá-la com uma campanha bizarra com o bordão “vista-se de amarelo”.

Um país que, em 2014, registrou o índice de desemprego de apenas 4,8%, praticamente pleno emprego, com blindagem internacional assegurada por um recorde de US$ 380 bilhões de reservas, não estava quebrado, como ainda alega a oposição. Na verdade, a destituição da presidenta precisou do endosso da grande mídia para garantir a difusão desta fake news. O meu mandato nem começara e o impeachment já era assunto preferencial da mídia, embalado pelas pautas bombas e a sabotagem do Congresso, dominado por Eduardo Cunha.

Os dados mostram que a “irresponsabilidade fiscal” que me foi atribuída é uma sórdida mentira, falso argumento para sustentar o golpe em curso. Entre 2011 e 2014, as despesas primárias cresceram 3,7% ao ano, menos do que no segundo mandato de FHC (4,1% ao ano), por exemplo. Em 2015, já sob efeito das pautas bombas, houve retração de 2,5% nessas despesas. As dívidas líquida e bruta do setor público chegaram, em meu mandato, a seus menores patamares desde 2000. Mesmo com a elevação, em 2015, para 35,6% e 71,7%, devido à crise que precedeu o golpe, elas ainda eram muito menores que no final do governo de Temer (53,6% e 87%) ou no primeiro ano de Bolsonaro (55,7% e 88,7%).

Logo ao tomar o poder ilegalmente, os golpistas aproveitaram-se de sua maioria no Congresso e do apoio da mídia e do mercado para aprovar a emenda do Teto de Gastos, um dos maiores atentados já cometidos contra o povo brasileiro e a democracia em nossa história, pois, por 20 anos, tirou o povo do Orçamento e também do processo de decisão sobre os gastos públicos.

Criou uma “camisa de força” para a economia, barrando o investimento em infraestrutura e os gastos sociais, e “constitucionalizando” o austericídio. O Teto de Gastos bloqueia o Brasil, impede o País de sair da crise gerada pela perversão neoliberal que tomou o poder com o golpe de 2016 e a prisão do ex-presidente Lula. E, a partir da pandemia, tornará ainda mais inviável qualquer saída para o crescimento do emprego, da renda e do desenvolvimento.

Se a intenção da Folha - e seus demais veículos - é tutelar e pressionar Bolsonaro para que ele entregue a devastação neoliberal, que tenha pelo menos a dignidade de não falsificar a história recente. Aprenda a avaliar o passado e admita seus erros deliberados, se quiser ter alguma autoridade para analisar um presente sombrio de cuja construção participou diretamente."

DILMA ROUSSEFF

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