Descrição de chapéu Coronavírus

Música vira instrumento de solidariedade em Heliópolis, zona sul de SP

Com aulas suspensas, Instituto Baccarelli concentra doações para famílias

São Paulo

A pandemia do novo coronavírus comprovou que a música também pode ser um instrumento para promover ações sociais e mostrar que meninos e meninas da favela de Heliópolis, a maior de São Paulo, podem sonhar com um futuro.

Criado em 1996 após um incêndio que destruiu parte dos barracos da favela, o Instituto Baccarelli transformou sua sede na estrada das Lágrimas, no Ipiranga, zona sul de São Paulo, em um centro para receber e distribuir doações para 900 famílias dos seus 1.300 alunos de música e coral.

A campanha Tocando Juntos por Heliópolis foi lançada em abril, quando as aulas presenciais de música e os ensaios das orquestras e dos corais no instituto já estavam suspensas devido à pandemia. Desde então, já foram arrecadados 182 toneladas de alimentos em cestas básicas e R$ 332 mil em vales-alimentação.

"Nosso objetivo não é só ensinar música. O maestro [Baccarelli] não queria só ensinar música quando criou o instituto. A música é uma ferramenta para ajudar as pessoas. Então, nós tínhamos que entrar nessa frente social que era uma emergência", disse o maestro Edilson Ventureli, diretor-executivo do instituto.

Marcelo, com a mulher, Adriana, e as filhas Dandara e Yaminah, em Heliópolis, zona sul de SP - Rubens Cavallari/Folhapress

Ventureli lembra que foi "provocado" a promover a campanha de doações por um aluno que não havia se conectado à aula online e estava sem alimentos em casa. "Quando fomos falar com ele, disse que ficava dormindo, pois quando dorme não sente fome", disse.

Na ocasião, a equipe do instituto fez uma compra emergencial para o aluno, que agradeceu e disse que podia dormir tranquilo sabendo que ao acordar teria o que comer. Com a certeza que outras famílias de alunos poderiam estar na mesma situação, foi lançada a campanha de doação.

E assim como as famílias dos alunos, o próprio Baccarelli também passa por dificuldades financeiras. Como é uma instituição sem fins lucrativos, não conseguiu os patrocínios para manter toda a sua estrutura. Devido à pandemia, conseguiu apenas 15% da verba necessária para o orçamento anual.

Corte de despesas, redução de salários e de jornada dos funcionários foram algumas das medidas urgentes.

"Estamos batalhando para conseguir financiamento, mas está complicado porque agora não estamos fazendo concertos. O problema é que fazemos parte de uma rede de assistência que se quebrar o estado não vai ter condições de suprir", afirmou o maestro.

Com 20 anos de instituto, violista vira professora

A violista Nicoli Martins, 30 anos, entrou no Baccarelli quando tinha apenas 10 anos. Começou no coral, mas nunca imaginou que levaria a música para a sua vida profissional.

"Comecei cantando. Depois disseram que a gente poderia escolher um instrumento para aulas de música. Eu fui para a viola, mas não conhecia. Quando escutei o som, tive a certeza que fiz a escolha certa", disse.

Desde então Nicoli não parou mais de tocar. Até estudou nutrição, mas acabou insistiu na música.

Estudou sozinha e passou no vestibular da Unesp (Universidade Estadual Paulista). Hoje é bacharel em viola, toca na orquestra sinfônica do Baccarelli e ainda dá aulas de música para crianças do instituto. "Minha vida é só música", disse.

Pandemia do coronavírus mudou rotina de família de músicos

Manter a rotina de estudos com as lições online da escola e do curso de música tem sido um desafio para os alunos do Instituto Baccarelli. Mas mesmo com a pandemia e as restrições econômicas e sociais, eles não perdem o tom e sonham com o retorno das atividades presenciais.

Na casa das irmãs Yaminah Martins dos Santos, 14 anos, e Dandara Martins dos Santos, 11 anos, a disciplina é um dos desafios. Antes elas iam ao menos duas vezes por semana para as aulas de coral e de instrumento.

"Eu me dedicava bastante. Agora ficou estranho e não podemos sair. Antes eu reservava sala para treinar no instituto. Agora não pode mais", disse Yaminah, que estuda trompa.

"Agora ficou difícil porque a internet cai às vezes também ou fica difícil de escutar. Mas se a gente desistir, ninguém vai fazer pela gente", disse Dandara, que estuda flauta transversal.
Yaminah e Dandara têm como exemplo o próprio pai, Marcelo Martins, 45 anos, que também é músico.

Ele conta que nunca forçou as filhas a tocarem, mas elas sempre conviveram com muitos instrumentos. "Tínhamos uma bateria no meio da sala de casa", disse Marcelo. "Minhas filhas têm hoje uma oportunidade que eu não tive. Apesar de dar aulas, santo de casa não faz milagre".

Ajuda veio na hora certa, diz mãe de aluno

Na casa do Davi Félix Silva, 13 anos, não tem tempo ruim para os estudos, seja da escola onde faz a sétima série do ensino fundamental ou do Instituto Baccarelli. Ele estuda violino e canta no coral desde os 6 anos. "Estudo quase todos os dias. Eu amo tocar violino", disse.

No começo, fazia apenas aulas de iniciação musical e canto. Depois, foi apresentado ao violino pelos professores do instituto. "No começo foi um pouco difícil para segurar, mas hoje é muito legal a dinâmica. Gosto muito de estudar e tocar música. Não tem como mudar isso", afirmou Davi.

Assim como as demais alunos do Baccarelli, Davi e sua família também recebeu cesta básica e cartão-alimentação. "Só tenho a agradecer. A ajuda veio na hora exata, pois perdi o emprego no começo da pandemia", disse Damiana Silva, 50 anos, mãe de Davi.

Doações continuam

A campanha "Tocando juntos por Heliópolis" continua e quem quiser fazer contribuições pode levar as doações de alimentos pessoalmente à sede do Instituto Baccarelli, na estrada das Lágrimas, 2.317, no Ipiranga (zona sul), de segunda à sexta-feira, das 9h às 13h.

Quem for de carro, pode entrar pelo estacionamento, onde funcionários de luvas e máscaras retiram as doações, sem que as pessoas saiam do veículo.

Já para quem preferir fazer doações em dinheiro, o Instituto Baccarelli mantém contas correntes em quatro instituições bancárias, além de aceitar transferência digital via paypal. Os dados bancários estão na página da instituição.

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