O número de mulheres negras candidatas ao cargo de vereadora em São Paulo quase dobrou neste ano. No atual pleito, que ocorrerá no próximo dia 15, 250 candidatas negras, da esquerda à direita, disputam uma vaga na Câmara Municipal. Em 2016, foram 132.
Enfrentando várias dificuldades, elas buscam superar a falta histórica de representatividade: só duas mulheres negras foram eleitas até hoje na Câmara. Teodosina Rosário Ribeiro, em 1968, e Claudete Alves da Silva Souza, em 2003.
“A nossa presença é totalmente inviabilizada e isso tem uma lógica [de perpetuação do racismo estrutural]. É como se o nosso corpo só existisse para trabalho reprodutivo, para trabalho braçal”, diz a advogada Tamires Sampaio, 26 anos, que está em sua primeira candidatura pelo PT.
A corretora de imóveis Solange Pedro (PSL), candidata à Câmara pela segunda vez, diz que para o negro os obstáculos são maiores na eleição. “Eu acho que as coisas, para nós são muito mais difíceis”, diz. Para ela, é importante que as mulheres negras estejam representadas na política. “Elas vão defender ainda mais nossos direitos como mulher, como negra. Somos capazes de criar projetos e tantas outras coisas”, afirma.
A candidata a vereadora pelo PCdoB Adriana Vasconcellos, 47, acredita que o número baixo de candidaturas e, menor ainda, de mulheres negras que já ocuparam o cargo de vereadoras, é “extremamente sintomático, pois denota o racismo estrutural. A mulher negra ainda é vista como objeto”.
Professora de geografia, ela diz que o racismo estrutural também está presente nos partidos de esquerda. “O debate racial é colocado em pauta, mas minimizado, em detrimento da pauta de luta de classes. As mulheres pretas avançam, mas dentro das estruturas partidárias ainda não são valorizadas”, afirma.
A campanha de 2020 é a primeira em que existe a obrigatoriedade de divisão proporcional dos recursos partidários entre candidatos brancos e negros. As verbas terão de ser divididas considerando o universo de homens negros entre os candidatos do partido e o de mulheres negras entre as candidaturas femininas.
Para Tamires, as legendas partidárias têm de dar espaço às mulheres negras. “É fundamental que os partidos, como um todo, deem visibilidade ao trabalho das mulheres negras, que estão nos movimentos sociais, que já são lideranças. É papel dos partidos potencializar esses trabalhos”, diz a candidata, moradora de Guaianases (zona leste).
Vida privada
Para as candidatas, a situação social da mulher negra acaba sendo um empecilho. Além de ser o grupo que recebe os menores salários, as mulheres negras também precisam cuidar dos filhos e não conseguem pagar para alguém para olhar as crianças durante a campanha eleitoral.
“É o contexto da mulher e, principalmente da mulher negra. Como você vai deixar seu filho [para fazer campanha]. As mulheres negras vão [para a política] quando já se aposentaram ou quando os filhos estão grandes. Ou aquelas muito jovens que conseguem apoio dos pais”, diz a professora Jaqueline,
candidata da Rede.
Isabel Marcelino, do PSDB, concorda. “Falta oportunidade. Hoje, para ser candidata é preciso ter investimento financeiro. Por mais que a mulher queira, tenha trabalho, uma história, se ela não tiver dinheiro sua campanha não tem a menor chance de alavancar”, diz a candidata tucana.
O próprio período de campanha já é um problema, diante da impossibilidade de muitas mulheres negras em deixar seus empregos por alguns meses para se dedicar ao pleito.
“A dificuldade é não ter recurso. A gente vive em uma sociedade mais simples, de baixa renda, isso é um dificultador. É muito difícil, chega a ser desanimador”, afirma Jaqueline.
Reflexo no país
São Paulo é um reflexo do que ocorre no restante do país, na avaliação de Tauá Pires, historiadora e coordenadora de juventude, gênero e raça da Oxfam Brasil.
“A gente tem uma baixa representatividade. A gente não tem nem 3% de mulheres negras no parlamento, enquanto as mulheres negras são 27% da sociedade.”
Segundo ela, é importante que os representantes realmente expressem a complexidade do tecido social. “Existem avanços, mas temos uma longa estrada para que as pessoas ocupem os lugares de poder. Quando [mulheres negras] estão nesses espaços, conseguem pensar políticas para este grupo”, diz Tauá.
Juliana Gonçalves, jornalista e componente da Marcha das Mulheres Negras de SP, afirma que existem algumas questões características da política praticada em São Paulo, mas concorda que a situação tem dimensão mais ampla. “Esse fenômeno de pouca representatividade de mulheres negras na política não é só restrito aqui. Por isso que é importante avaliar enquanto fenômeno que é causado por questões de raça e gênero que foram enfrentadas ainda, muito superficialmente, pelo Estado.”
Ela pontua que o racismo pode fazer com que muitas pessoas olhem uma mulher negra e não se sintam representadas.
Espaço
A gari Ana Lucia Lazarim, 39 anos, participa da campanha eleitoral pela segunda vez. Candidata a vereadora pelo DEM, a moradora do bairro City Jaraguá, na zona norte de São Paulo, afirma que “muitos não dão oportunidade para mulheres negras e precisamos brigar pelo nosso espaço”.
Ela concorda com as outras candidatas de que o apoio para negras que decidem disputar uma eleição ainda é bem pequeno.
Para Jussara Basso, 45, candidata pelo PSOL, existem outras dificuldades para participação das negras. “Não temos familiares em cargos de poder, não temos a condição de financiar campanhas milionárias como aqueles que há anos estão no poder têm”, diz.
“Além disso, ainda somos mães, responsáveis por nossas famílias e historicamente sempre precisamos provar a nossa capacidade”, diz a moradora do Jardim Maria Sampaio, na zona sul.
Barreiras
A estudante de pedagogia Isabel Marcelino, 35, candidata pelo PSDB, afirma que as dificuldades não irão terminar caso algumas consigam se eleger. “Haverá uma barreira sim, pois as ideias e projetos das candidatas negras estão em torno de igualdade racial, igualdade [de gênero] e feminicídio”.
Segundo a moradora da Brasilândia (zona norte), “a bancada masculina e a bancada ‘branca’ dificilmente irão abraçar os projetos da vereadora negra sem que isso lhes beneficie de alguma maneira”.
Tamires Sampaio, do PT, destaca, no entanto, que as pessoas negras não falam apenas sobre racismo. A petista diz que participou de uma série de diálogos sobre outros problemas da cidade. “E eu já ouvi algumas pessoas dizendo que a campanha [ de uma mulher negra] não deveria pensar temas amplos, que eu deveria me dedicar só as questões identitárias”, diz.
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