Essenciais para um envelhecimento saudável, os livros têm se tornado ferramentas importantes para que idosos mantenham o bem-estar mental e emocional durante o isolamento da quarentena. A assistente social Angela Grijó, 71, é um exemplo: da quase depressão no início da pandemia, ela reencontrou o amor pela leitura em outubro e, desde então, já leu cerca de 20 títulos.
Angela faz parte do Clube de Leitura 6.0 e se reúne semanalmente pela internet com um grupo de 12 pessoas para discutir sobre livros. A idosa diz que os encontros e as leituras foram uma forma de preencher os dias. "Para mim, é uma experiência nova e surpreendente. É mais uma atividade para ocupar os dias, um compromisso: não só ler, mas encontrar o pessoal e trocar experiências."
Realizado pela Observatório do Livro e da Leitura em parceria com a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, o Clube tem 82 turmas que se reúnem semanalmente. O projeto, iniciado presencialmente antes da pandemia, migrou para o ambiente virtual e agora reúne 1.024 idosos.
"Mexeu em todos os aspectos da minha vida: cultural, tecnológico, que foi um grande aprendizado, e social, pelas amizades que fiz. Para a autoestima, é muito bom", afirma Angela. Para ela, permanecer no grupo também foi uma oportunidade de se desafiar, pois diz que achava que não acompanharia o ritmo dos outros participantes. Com o tempo, deu tudo certo. "Eu cresci naquilo que me achava mais ignorante. Me apaixonei e quero ficar para sempre."
O aposentado Abrão Jacó, 74, descobriu o gosto pela literatura também no grupo. Até o meio do ano passado, ele não era dos maiores consumidores do gênero, mas decidiu entrar no projeto para ter contato com autores diferentes --no momento ele se diz "maravilhado" com a escrita do moçambicano Mia Couto.
"[O Clube] é muito gostoso porque discute assuntos diferentes. Tem pessoas muito boas, que devoram livros e nos ajudam muito porque a forma como observam o texto é muito interessante", afirma Jacó. Ele faz parte de dois grupos de discussão de textos, o Clube de Leitura 6.0 e o Janelas para a Alma, desde o ano passado. Atualmente, a discussão nos dois acontece online.
A pandemia é um período em que o isolamento tem agravado muitas questões dos idosos, afirma Galeno Amorim, presidente da Observatório do Livro e da Leitura e coordenador do Clube de Leitura 6.0. Integrar esse grupo em atividades que, mesmo remotas, exercitem a mente e fomentem a sociabilidade é uma forma de passar, também, empoderamento.
"O projeto acaba beneficiando de diferentes formas porque promove entretenimento cultural de qualidade, dá oportunidade de adquirir mais conhecimentos numa fase da vida em que muita gente para e oferece oportunidade de interação social", diz o coordenador. Ansiedade, isolamento, depressão, humilhação e bullying na terceira idade são algumas das questões que esse tipo de atividade discute.
O Sesc (Serviço Social do Comércio) São Paulo também tem realizado grupos de leitura remotos desde o ano passado. Segundo Gustavo Nogueira, asistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais da entidade, a realização do Clube de Leitura da Terceira Idade pela internet fez com que as vagas fossem ampliadas em mais que o dobro.
"As pessoas entenderam a necessidade de ficar em casa, a necessidade de adaptar as ações e abraçaram a ideia do clube online", diz Nogueira. Os benefícios estão ligados não só ao que o público aprende de fato com o conteúdo passado, mas especialmente ao contato com outras pessoas que vivem situações semelhantes.
"Depois de tanto tempo, a internet não é mais um bicho papão. Com a experiência do clube, os idosos ficaram mais independentes até para buscar outras formas de se reunir online com amigos e familiares."
Leitura é ferramenta importante para uma velhice saudável
O hábito da leitura, quando é algo que causa prazer, traz muitos ganhos para um envelhecimento saudável, afirma a professora Rosa Chubaci, do curso de Gerontologia da USP (Universidade de São Paulo). Na quarentena, então, cultivar esse hábito se tornou ainda mais importante como forma de driblar o isolamento.
"Assim como outras atividades, a leitura estimula a memória, a comunicação, a imaginação e a criatividade. É importante que idosos reservem um pouco do tempo do dia para a leitura, pois é uma ginástica para o cérebro", diz Chubaci. Paralelamente, a leitura favorece também a interação social: seja num grupo de leitura ou mesmo em casa, com familiares, as histórias acabam virando temas de conversas e debates.
Segundo a professora, junto com a leitura, outra forma de estimular a mente é fazer anotações sobre aquele texto, os nomes de personagens, fatos e curiosidades. O ato de escrever é uma ferramenta para que aquela memória seja melhor apreendida.
"A tendência das pessoas hoje é deixar a leitura de lado, porque elas têm outras coisas para fazer. Mas na pandemia, especialmente, a leitura faz a pessoa mergulhar na história. Até revivendo alguns livros que já leu no passado o idoso vai ter uma percepção melhor agora."
Chubaci ressalta, contudo, que a leitura precisa ser prazerosa para que tenha esses efeitos positivos. "Se a pessoa não gosta, é melhor nem tentar." Como alternativa, imergir em histórias por meio de filmes também é uma forma de estimular a memória.
Clubes estão com inscrições abertas
As reuniões do Clube de Leitura 6.0 acontecem virtualmente uma vez por semana e estão disponíveis gratuitamente para pessoas de todo o estado. Para se inscrever, o idoso deve acessar o site https://observatoriodolivro.org.br/inscricao-clube-60. Cada turma tem, em média, nove pessoas.
Os livros escolhidos para a leitura estão disponíveis em uma biblioteca digital com mais de 20.000 títulos. A inscrição no clube dá direito a uma assinatura anual do acervo, que pode ser acessado por computador, tablet ou celular.
O Clube de Leitura 6.0 são realizadas também em Instituições de Longa Permanência, e, nelas, o mediador conduz a reunião de forma remota, enquanto os idosos se reúnem presencialmente.
Quandoa a inscrição é feita, segundo Galeno Amorim, presidente da Observatório do Livro e da Leitura e coordenador do projeto, o idoso passa por uma avaliação sobre os hábitos de leitura, e é colocado numa turma com pessoas de perfil semelhante.
Já as reuniões do Clube de Leitura da Terceira Idade do Sesc acontecem mensalmente e têm limitação de vagas: são 40 pessoas por seção. A primeira do ano será realizada em 5 de março, quando os idosos receberão o acolhimento e a indicação de texto para a primeira discussão do ano, que acontece em 2 de abril.
O clube é promovido pelo Sesc de Rio Preto, mas, como a atividade é online, está disponível gratuitamente para idosos de todo o estado, segundo Gustavo Nogueira, assistente técnico da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo. Para se inscrever, é necessário enviar um email manifestando o interesse para literatura@riopreto.sescsp.org.br. Não há restrição caso o interessado não seja credenciado.
Caso o idoso não tenha familiaridade com a internet, Nogueira diz que o clube promove também tutoriais sobre o uso de ferramentas, aulas sobre etiqueta em reuniões virtuais e sobre como se conectar. Há, também, um plantão de tira-dúvidas.
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