A Covid-19 é uma doença nova e as vacinas já estão sendo aplicadas. A agilidade na produção dos imunizantes, que é uma boa notícia, também virou terreno fértil para quem gosta de espalhar desconfiança na sociedade, levantando dúvidas a respeito da segurança e da eficácia. Cientistas, porém, listam uma série de motivos pelos quais a população pode ficar tranquila.
“Tem muita gente estudando, usando o conceito de open science [resultados das pesquisas são publicados imediata e abertamente] e um aporte financeiro bastante substancial. Foi por isso que se teve esse boom de vacinas”, resume a vice-diretora de qualidade de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Rosane Cuber. A unidade do Rio de Janeiro é responsável pela produção da vacina Oxford Astrazeneca.
Outros fatores também colaboraram para que tantas vacinas fossem apresentadas em praticamente um ano desde que o novo coronavírus começou a circular, segundo Rosane. O fato de a Covid-19 se espalhar rapidamente permitiu que mais voluntários fossem expostos e a eficácia pudesse ser aferida o quanto antes.
A especialista diz que empresas farmacêuticas começaram a produzir vacinas em escala industrial mesmo sem a certeza absoluta da aprovação. Um risco calculado, mas necessário, o que permitiu que milhões de doses fossem disponibilizadas após o aval das agências reguladoras.
As próprias agências também agilizaram seus processos de aprovação, sem abrir mão da segurança. Anteriormente, elas recebiam os resultados de todas as etapas de uma única vez para dar o parecer. Agora, as agências liberam fase a fase. O que levava até um ano agora é feito em meses.
Rosane lembra que o Brasil é referência no fornecimento de diversos tipos de imunizantes para todo o planeta, mais um motivo para não temer vacinas aprovadas por aqui, como a Coronavac e a Oxford Astrazeneca. “Se a gente exporta soja, carne, é porque segue padrões internacionais. A mesma coisa com as vacinas.”
Pesquisas começaram ainda em 2002
Apesar de o SARS-CoV-2 ter surgido há pouco mais de um ano, o desenvolvimento das plataformas que servem de base para as vacinas atuais já vêm de um bom tempo. É o que lembra Luiz Gustavo de Almeida, PhD em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP e, entre outros, coordenador dos projetos educacionais do Instituto Questão de Ciência.
“A gente fica sabendo mais sobre as vacinas atualmente, mas não começaram agora, de ontem para hoje. A gente já trabalha com vacina para [outros tipos de] coronavírus desde 2002”, afirma. “Toda expertise [conhecimento], o estudo sobre a estrutura, vem de 20 anos”, diz Almeida. As pesquisas só não foram concluídas anteriormente porque as epidemias sem encerraram de forma mais rápida.
Para quem ainda assim desconfia, Almeida recorre ao passado. “Provavelmente, a geração de idosos conviveu com quem teve poliomielite, pessoas que teriam uma vida melhor com uma gotinha contra a polio”, afirma. “Esse é o poder das vacinas. Transforma a vida das pessoas.”
Avanço será notado em outras áreas
Diretor superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, Luiz Vicente Rizzo afirma que o avanço nas pesquisas realizadas atualmente vai trazer benefícios diretos logo mais e não apenas em relação à Covid-19.
Vacinas com RNA mensageiro, como a da Pfizer BioNTech vão nessa direção. “Também vão poder nos ajudar a avançar em outras áreas, como de câncer, de doenças degenerativas, com as autoimunes. Não tenho a menor dúvida de que aquilo que a gente vai aprender com isso vai ajudar no futuro. Não no longínquo, mas de médio e curto prazo”, afirma.
Rizzo lembra que, em meio a tantas informações, vale a pena escolher bem em que confiar, pessoas que são “bona fide” [de boa fé], valendo até fazer uma busca no Google Scholar, que lista os trabalhos desenvolvidos por especialistas. “É um caso onde o mensageiro importa para dar valor à mensagem. Uma coisa é ouvir informação do doutor Anthony Fauci [imunologista norte-americano, referência entre médicos], outra é ouvir do tiozão ou da tiazinha do WhatsApp, né?”, diz.
Saiba mais
RAPIDEZ
- Centenas de grupos de pesquisa espalhados por todo o mundo com o mesmo objetivo
- Divulgação instantânea e compartilhamento de informações entre os cientistas
- Grande investimento e dinheiro à disposição para a realização dos trabalhos
- Possibilidade de testar a vacina em mais pessoas por estarmos em meio a uma pandemia
- Agilidade das agências reguladoras em todo o mundo para analisar os processos de produção
NÃO FOI DO DIA PARA A NOITE...
- Apesar dos esforços concentrados durante o último ano, as vacinas que estão sendo usadas no Brasil já tinham conceitos bem conhecidos, com plataformas (a base) já usadas contra outras doenças
Coronavav
- Usa como plataforma o vírus inativado, bastante comum e usada há muitos anos em outras vacinas, como aquelas contra poliomielite e sarampo. Um produto químico faz com que o vírus presente na vacina esteja morto
Oxford Astrazeneca
- A plataforma sobre a qual foi produzida passou por desenvolvimento ao longo da última década e chegou à fase 2 (teste em centenas de voluntários) durante as epidemias de Sars e Mers, outras duas síndromes respiratórias graves. Só não avançou na ocasião porque as epidemias foram extintas. Conta com um vírus vivo, mas incapaz de produzir a doença
PODE CHEGAR EM BREVE
Sputnik V
- Vacina russa desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, com taxa de eficácia de 91,6%, já aprovada para uso emergencial em países vizinhos como Argentina, Bolívia, Paraguai e Venezuela. Usa a tecnologia de vetor viral não replicante, com vírus inofensivos, para gerar uma resposta imunológica na pessoa
VACINAS DE 3º GERAÇÃO
Já foram aprovadas em outros países as da Pfizer BioNTech e da Moderna, mas ainda não estão disponíveis no Brasil
- Usam RNA mensageiro, que faz com que o organismo produza uma proteína semelhante a do coronavírus (mas que não é nociva), gerando reação imunológica da pessoa vacinada
- Vantagens: não é necessário cultivar o vírus em laboratório, a produção em larga é mais barata e a eficácia é bastante elevada
- Desvantagens: vacinas com a da Pfizer BioNTech precisam ser armazenadas em temperatura abaixo de -75ºC, o que torna, no momento, praticamente inviável a logística no Brasil
POR QUE DEVO ME VACINAR?
- As vacinas são as armas disponíveis para combater o avanço do coronavírus
- Quanto mais pessoas vacinadas, maior a chance de impedir que o vírus sofra mutações
Fontes: Rosane Cuber, vice-diretora de Qualidade de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein, e Luiz Gustavo de Almeida, PhD em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, ICB-USP, diretor no Brasil do festival internacional de divulgação científica “Pint of Science – Um Brinde à Ciência”, e coordenador dos projetos educacionais do Instituto Questão de Ciência
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