A Polícia Civil investiga as condutas de 4.656 pessoas flagradas participando de festas clandestinas no estado de São Paulo desde que este tipo de evento passou a ser fiscalizado em parceria entre as forças da segurança e da saúde em São Paulo. Os dados foram enviados com exclusividade ao Agora pela SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB).
Entre o dia 12 e 30 de março, foram instaurados 52 inquéritos policiais para investigar as infrações de medida sanitária preventiva, atribuídas a essas milhares de pessoas pela polícia. Considerando o período, são quase três inquéritos por dia. Todos os suspeitos respondem aos casos em liberdade.
Em cerca de 12 horas entre a noite de segunda (29) e madrugada de terça (30), a força-tarefa de combate a aglomerações localizou e encerrou 11 festas na capital paulista. Uma delas, em uma tabacaria na zona leste, aglomerava cerca de 150 pessoas. Do total de envolvidos, dez foram levados à delegacia e enquadrados no artigo 268 do Código Penal.
O artigo considera crime “infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa”. A pena, em eventuais condenações, varia entre um mês e um ano de prisão, além de multa. Todas as mais de 4.600 pessoas enquadradas pela polícia foram fichadas neste crime. Nem todos, porém, foram levados à delegacia, sendo qualificados pela polícia ainda nos locais dos flagrantes.
Aos distritos policiais, foram levados os responsáveis pela organização dos eventos, além de proprietários dos locais, que podem eventualmente ser indiciados, conforme o andamento das investigações, por outros crimes como associação criminosa, corrupção de menores, por itens ilícitos encontrados nos estabelecimentos ou ainda por ter dificultado o acesso de policiais aos recintos.
“A pena para este artigo [268] é muito branda. Nesta festa da tabacaria [na zona leste], me deparei pela segunda vez com um DJ, que havia sido flagrado em outra balada irregular, na semana anterior. Isso é impressionante. A legislação penal precisa mudar, para a gente poder enquadrar essa turma toda aí [de forma mais rígida]”, afirmou o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, diretor do Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas).
Tanto ele e suas equipes, como policiais militares, participam das ações conjuntas com as Vigilâncias Sanitárias, estadual e municipal, Procon-SP e GCM (Guarda Civil Metropolitana), pelo fato de ser atualmente considerado crime participar ou organizar festas, durante a fase emergencial do Plano São Paulo -- pois isso contribui para a disseminação do novo coronavírus, que já matou mais de 300 mil pessoas no país.
O advogado Matheus Herren Falivene de Sousa , especialista em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo), reforçou a opinião do delegado Nico, sobre o fato do crime imposto a frequentadores de baladas clandestinas ter a pena mais branda, em relação a outras infrações penais.
Ele acrescentou, porém, serem uma exceção as fiscalizações de festas feitas pela polícia, pois os eventos só são considerados ilegais, atualmente, por causa da pandemia do novo coronavírus.
“Um destes frequentadores [de balada], em uma hipotética condenação, pode ter a pena transformada em doação de duas ou três cestas básicas”, ilustrou o advogado, que também é professor de pós-graduação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas.
Falivene destacou, no entanto, que apesar de contar com uma pena branda, o fato de um jovem ser fichado criminalmente, após ser flagrado em uma festa clandestina, pode gerar problemas futuros. “A pessoa não será mais primária e terá o nome marcado por um crime, mesmo que brando. Isso pode prejudicar o jovem caso ele queira futuramente prestar um concurso, ou até mesmo conseguir um emprego”, avaliou.
Para Raquel Kobashi Gallinati, presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), os crimes sanitários atribuídos aos frequentadores e organizadores de festas clandestinas “poderiam ser tutelados” pelo Direito Administrativo. “As multas, nestes casos, são mais educativas para quem organiza ou participa das festas. O Executivo deveria aplicar multas educativas, previstas na própria legislação”, ponderou.
"Eles vivem em um mundo paralelo", afirma médica
A médica Nauyta Takaoka, residente em infectologia no Hospital Heliópolis (zona sul), afirmou que o perfil dos pacientes internados com Covid-19 na unidade mudou de 2020 para este início de ano.
Ela afirmou que, aos fins de semana, centenas de jovens usam a área externa da unidade de saúde para chegar, caminhando, a bailes funk feitos irregularmente na região. “Ano passado, recebíamos muitos pacientes idosos, obesos. Agora são jovens, que em muitas das vezes chegam falando que foram em festas, que viajaram, que foram em churrascos entre amigos.”
Nauyta acrescentou “estar bem estabelecido” que a transmissão da Covid-19 se dá pelas vias aéreas e que frequentar baladas, feitas majoritariamente em ambientes fechados, aumenta exponencialmente as chances de infecção.
“Nessas festas, todo mundo compartilha um mesmo copo, aglomera, canta perto um do outro. Por isso, vemos subir os casos de infecção e morte entre os jovens. É muito triste, pois eles vivem em um mundo paralelo, onde acreditam não existir o vírus, onde há somente alegria e festa”, criticou.
Segurança Pública
A SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria (PSDB), afirmou que as ações policiais foram intensificadas em todo o estado para o cumprimento de determinações estabelecidas pela fase emergencial do Plano São Paulo, estendida até o próximo dia 11.
Sobre os inquéritos instaurados para investigar festas clandestinas, além dos 4.656 suspeitos identificados por participar ou promover os eventos, a pasta afirmou que os envolvidos são encaminhados à Polícia Civil e ao Juizado Especial Criminal. "As pessoas flagradas em situação de aglomeração durante essas ações de fiscalizações foram qualificadas e respondem por suas condutas", diz trecho de nota.
Denúncias contra festas clandestinas e funcionamento irregular de serviços não essenciais podem ser feitas pelo telefone 0800-771-3541 ou e-mail ao Centro de Vigilância Sanitária ( secretarias@cvs.saude.sp.gov.br ) e também pelo site do Procon (www.procon.sp.gov.br). A PM segue com o atendimento de emergências de segurança pelo 190.
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