A capital paulista tem um verdadeiro “clã da pipoca” que sobrevive à pandemia, nas calçadas, com muita garra nordestina. Quem já pediu um saquinho nas ruas de São Paulo certamente foi atendido por alguém com as raízes na cidade de Sousa (PB) e o sobrenome do vendedor é, provavelmente, Estrela, uma família gigantesca de pipoqueiros.
São paraibanos que dominam o setor, conhecem o ofício e se espalham iluminados por lampiões a gás. Até hoje, Sousa, de 70 mil habitantes, era conhecida apenas pelo “vale dos dinossauros”. De lá para São Paulo, o fluxo migratório trouxe gente batalhadora, quase todos da mesma família, que se especializou em ganhar o pão com pipoca.
Um deles é Francisco Estrela Filho, 37 anos, que trabalha em frente ao Hospital do Mandaqui (zona norte) há sete. Na crise, as notícias chegam pelo grupo familiar no WhatsApp. O preço do milho que triplica, o gás que aumenta, o óleo que dispara. Tá caro, e o coronavírus à espreita tentando derrubar a família.
“Não dá para partir para outro negócio. Com esse abre e fecha, se monta um restaurante vai falir do mesmo jeito”, diz. Por causa da pandemia, chegou a ficar seis meses parado em 2020. “É um momento difícil”, diz.
Reunião
Em meio a tantas lutas nas ruas da capital, os pipoqueiros contavam sempre com uma época do ano em que podiam se reunir e confraternizar em família. “Quando tem árvore de Natal no Ibirapuera, você encontra mais de 100 carrinhos por lá. Todo mundo. O pessoal se revê, porque é difícil ter contato no dia a dia, só por telefone”, conta Leonardo Dantas Estrela, 33.
“Às vezes, dá briga, mas logo em seguida está todo mundo de bem de novo. Tem muita união”, completa. Leonardo chegou a São Paulo, vindo de Sousa, faz 16 anos.
No início, se aventurou pelo ramo do pastel, mas um ano depois já estava na pipoca. “Na Paraíba, o pessoal era da roça. Aqui em São Paulo, acho que é o trabalho que a gente tem”, diz.
Pipoca sustenta o sonho da faculdade para família
Arnaldo Estrela Dantas, 43 anos, estava com o filho Tiago, 15, com carrinho, em frente a um hospital da zona oeste, quando conversou com a reportagem. Foi até então o terceiro pipoqueiro a declinar o mesmo sobrenome, o que chamou a atenção. “Sim, 90% dos pipoqueiros são Estrela”, disse, o que talvez não seja exagero. “Tem também em Guarulhos, São Bernardo, São Caetano... Até no Rio de Janeiro”, disse.
Por causa da pandemia, Arnaldo ficou parado de março a fevereiro, vivendo com economias de tempos melhores e do auxílio emergencial da mulher. “Só dá para comprar o básico”, falou.
Arnaldo deseja um futuro além da pipoca para os três filhos. Do caçula, muito pequeno, ainda quer ver o despertar de uma vocação. De Tiago, sonha em vê-lo médico.
Já o mais velho, Gabriel, tem 21 anos, e cursa o terceiro semestre de jornalismo, mas ainda cuida de um carrinho em frente a um hospital da zona norte. “Como está difícil essa questão de emprego e estágio, sigo trabalhando no ramo da família para pagar a faculdade.”
Na sexta (28), Gabriel deu a notícia de que Arnaldo estava internado, instável, com Covid-19. “Meu pai vale ouro, estou torcendo muito pela recuperação.”
Comerciante abastece mercado há 35 anos
O comerciante Antonio Alves não é Estrela, mas trabalha há 42 anos vendendo produtos para pipoqueiros, há 35 no mesmo endereço, em uma portinha na rua Coronel Lisboa, na Vila Mariana (zona sul). Tem de tudo e até criou uma espécie de mãozinha de plástico pra pegar pipoca sem sujar os dedos.
Alves é uma enciclopédia do ramo e diz que o primeiro pipoqueiro que veio do Nordeste morava na rua Caetano Pinto, no Brás, mas já morreu. “Foi trazendo os parentes, a turma toda”, diz.
Para ele, a imagem atual do pipoqueiro é outra, em comparação com o passado. “Antigamente, a polícia pegava a pessoa como desocupada. E era quem mais trabalhava, porque estava ali na rua durante dia e noite”, conta. Os melhores pontos sempre foram as portas de escola.
O milho bom que rende e dá o trabalho para os paraibanos em São Paulo vem, principalmente, de Campos de Júlio (MT), segundo Alves. “Pega 500 sacos e não tem um grão diferente do outro. Antes, era de Itumbiara, lá de Goiás”, diz.
Quando o comerciante começou a fornecer produtos para os pipoqueiros, os carrinhos ainda eram de madeira. Hoje, eles são de aço inox e custam cerca de R$ 4.500. Pode parecer muito, mas é um investimento que se paga logo. A reportagem apurou que um pipoqueiro em um bom ponto, antes da pandemia, chegava a faturar R$ 300 por dia, livres.
Coronavírus faz redobrar cuidados
O coronavírus fez também os pipoqueiros reforçarem os cuidados para evitar qualquer tipo de contaminação. Difícil encontrar um só carrinho que não esteja brilhando, com reflexo no aço inox, e garrafinhas de álcool em gel para todo lado.
“Não é todo mundo que quer chegar e pedir, pegar com a mão, por causa do vírus. Eles têm medo”, diz Flávio Souza Estrela, 35 anos, que tem um carrinho na Vila Mariana (zona sul). “No começo [da pandemia], ninguém nem olhava para o carrinho”, completa.
Para garantir a segurança da clientela, Flávio não abandona o álcool em gel. “É terminar de atender um cliente e já passar, porque pegou dinheiro, mexeu com tudo”, diz.
Abrantes também marcam presença
Outra família vinda de Sousa (PB) se junta ao trabalho dos Estrela na arte de preparar a pipoca que fez o gosto do paladar paulistano. São os Abrantes, com vários representantes com carrinho na mão, principalmente na Vila Clementino (zona sul).
“É parente, primo-irmão, tudo conhecido. Eu tinha tio e irmão mais velho pipoqueiros. Foram passando e deixando para os outros”, diz José Ilton Abrantes, 45, desde os 14 no entorno do Hospital do Servidor Público Estadual. “A vida inteira, graças a Deus.”
Segredo de pipoqueiro
As pessoas citadas na reportagem dizem que o segredo de uma boa pipoca é “amor e carinho”. Na conversa, porém, eles confidenciam alguns detalhes que podem fazer a diferença para quem ousa imitar a produção em casa.
A primeira coisa é botar o milho na panela quando o óleo ainda está frio e, só depois, ligar o fogo. Com uma panela profissional, que custa em torno de R$ 85, basta girar a manivela para fazer os grãos subirem.
Um bom milho também é fundamental e quem conhece sabe só de pegar na mão. Uma dica é notar se o tom dos grãos é uniforme, em um amarelo que puxa para o laranja.
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