Polícia especializada de SP usa aparelho que pode enxergar através das paredes

Desenvolvido em Israel, Xaver usa sistema semelhante a sonar de submarino para identificar pessoas em recintos fechados

São Paulo

Especializado em ocorrências com reféns, o Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), da Polícia Militar paulista, consegue até enxergar através de paredes para salvar vidas, contando para isso com o apoio de um equipamento de tecnologia israelense, conhecido como Xaver.

Com aproximadamente 15 quilos, o sistema de captação é facilmente levado na mochila por policiais do grupamento especial, inclusive em casos nos quais suicídios são evitados. Ele foi adquirido no primeiro trimestre do ano passado por R$ 344 mil, segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão João Doria(PSDB)

“Brincamos que o Xaver reproduz a visão do Predador [personagem extraterrestre do cinema], pois ele capta a temperatura corporal das pessoas e também nos ajuda a saber se há objetos obstruindo portas, por exemplo”, explicou o tenente João Gabriel Pires, comandante de uma equipe Gate.

Segundo o oficial, para identificar pessoas em um ambiente, o equipamento é encostado na parede e o policial que opera o sistema de captação observa, em uma pequena tela, o posicionamento das pessoas no cômodo fechado, onde ocorre uma varredura, semelhante a um sonar de submarino. "O importante é não movimentar ele, deixando-o sempre parado para a varredura do ambiente ser feita", pontuou o tenente.

O cabo William Carmo está habituado a manipular o Xaver. De acordo com o policial, o equipamento conta com quatro horas de autonomia e oferece várias interfaces de funcionamento.

“Primeiro usamos a tela que identifica quantas pessoas estão no cômodo, a ‘visão de Predador’ [mencionada pelo tenente]. Depois, observamos os gráficos criados. Também podemos acionar um sistema de visão em 3D do ambiente”, explicou, mostrando à reportagem como o sistema funciona, mantendo-o fixado em uma parede, com a ajuda de ambas as mãos.

O cabo cabo William Carmo, do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), demonstra o uso do Xaver, equipamento usado para detectar a presença de pessoas através da parede - Rubens Cavallari/Folhapress

Do outro lado do obstáculo de concreto, em uma sala, estavam dois policiais, que foram identificados pelo Xaver, com uma cor avermelhada. O equipamento também localizou móveis do cômodo, indicados com a cor verde, que em uma ocorrência real podem ser usados como obstáculos por suspeitos, para evitar a entrada de policiais em um imóvel.

Em 20 de novembro do ano passado, o Xaver ajudou o Gate a conter uma mulher de 43 anos, em surto psicótico, que se trancou em seu apartamento na região do Sacomã (zona sul da capital paulista).

Segundo registrado pelo grupamento, a mulher havia acabado de receber uma ordem de despejo e, alterada, se trancou em casa afirmando que iria se matar. O Gate foi acionado logo em seguida, levando entre seus equipamentos o Xaver. Ele já ajudou, segundo a PM, na solução de 16 ocorrências até o momento.

Chegando em frente ao apartamento, o equipamento foi colocado na parede do imóvel. “Verificamos que a mulher estava no meio da sala e que havia também um objeto obstruindo a porta de entrada”, relembra o tenente Pires.

Enquanto um negociador tentava acalmar a senhora, outra equipe se posicionou fora do prédio, tentando visualizar o apartamento pela janela, mas sem sucesso. Cientes do obstáculo na porta, por causa do Xaver, e percebendo que a mulher estava mais exaltada, uma equipe de intervenção arrombou o apartamento, conseguindo conter a moradora. Ela foi encaminhada em seguida, segundo a polícia, para uma unidade de tratamento psiquiátrico.

Além do Xaver, o Gate também usa outros equipamentos para verificar o interior de ambientes, como câmeras acopladas em finos tentáculos, com a ponta móvel, e lentes analógicas, colocadas sob portas e vãos.

Policiais do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) operam robô utilizado para recolher explosivos em ocorrências, ajudando a resguardar a integridade física dos agentes e para fazer varreduras em ambientes suspeitos - Rubens Cavallari/Folhapress

Robô operado por controle remoto

Além de ocorrências com reféns, o Gate também sempre é acionado em casos envolvendo explosivos, em qualquer região do estado. "Fazemos também todas as perícias de explosivos apreendidos em todas as cidade paulistas. Inclusive, somos acionados pela Polícia Científica quando explosivos são identificados em ocorrências", disse o tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti.

O oficial salientou que o desarmamento de explosivos "não admite erros" e, por isso, os policiais atuantes nesta função são capacitados após se volutariarem a ela. "Qualquer erro é fatal, quando se trata de explosivos", acrescentou. Somente um PM do Gate morreu por causa de explosões, afirmou o tenente-coronel, quando o então sargento manuseava bombas no quartel do grupamento, em janeiro de 2007.

Além do curso preparatório, que dura cerca de um ano, os policiais especializados em explosivos contam também com tecnologia para os resguardar de eventuais explosões.

Um dos equipamentos é o robô Caliber, de tecnologia canadense, operado por controle remoto e que conta com um braço mecânico, usado para a retirada de bombas de ambientes, e com uma câmera que capta imagens em 360 graus -- também usada para realizar varreduras em ambientes suspeitos. "O braço mecânico dele consegue levantar objetos de até oito quilos, quando esticado, ou ainda arrastar até 113 quilos", explicou o sargento Cristiano Gonçalves.

Além do robô, quando é necessária a manipulação direta de explosivos, por policiais, os agentes vestem uma "roupa antifragmentação" parecida com a de astronautas -- deixando somente as mãos desprotegidas, pois luvas dificultam o manuseio de bombas -- pesando 37 quilos e com uma placa de porcelana na região peitoral, que segura até tiro de fuzil.

Tenente João Gabriel Pires, comandante interino da 5ª Cia. do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), vestindo a roupa antifragmentação, usada por policiais especializados em desarmar bombas. Vestimenta pesa 37 quilos e se assemelha a um traje espacial - Rubens Cavallari/Folhapress

Ocorrência cinematográfica

Em 5 de abril de 2019, funcionários de uma agência bancária de Diadema (ABC) acionaram a PM para ajudar o gerente do banco, que entrou no local a mando de criminosos. Uma tornozeleira com explosivos estava presa à perna direita do homem, abordado instantes antes por uma quadrilha exigindo dinheiro, que deveria ser retirado da agência.

Para isso, os ladrões colocaram a tornozeleira na vítima, mostrando para o gerente o que poderia acontecer com ele, por meio de um vídeo, caso ele não seguisse as ordens do bando. A bomba, segundo a polícia, poderia ser detonada à distância, por meio de um celular.

Ao constatar o artefato no tornozelo da vítima, PMs da área acionaram o Gate. Chegando na agência, os policiais especializados em explosivos bloquearam o envio e recebimento de sinais na região, com o auxilio de um equipamento. Com isso, a bomba não poderia ser detonada remotamente pelos ladrões.

Usando uma roupa antifragmentação, um policial usou um equipamento de raio-x, semelhante ao utilizado em hospitais, e constatou que a bomba contava com uma fonte de alimentação, um celular e uma carga explosiva, tudo ligado com fios condutores de energia.

Após cerca de duas horas de trabalho, a bomba foi retirada da perna da vítima e detonada em seguida, para evitar que os criminosos a acionassem remotamente, quando os equipamentos bloqueadores de sinal fossem desligados. Na ocasião do crime, seis pessoas foram presas para averiguação. A vítima não ficou ferida.

Entre 2016 e o ano passado, policiais do Gate apreenderam 5,1 toneladas de explosivos no estado de São Paulo. O ano com o maior número de artefatos tirados de circulação foi o de 2017, quando 3.193 quilos foram apreendidos, representando 62% do total no período.

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