Voltaire de Souza: Sem espera na fila

Voltaire de Souza

Expectativa. Tensão. Esperança.
A vacinação, para os mais idosos, já é uma realidade.
O capitão Morretes acendia um cigarro.
—Nunca fui de acreditar em vacina.
Mas ele pensava na família.
—Meu paizinho... logo faz sessenta anos.
Ele procurava entender a psicologia do genitor.
—Acredita em tudo que é bobagem.
A tarde caía em tons de rosa sobre a baía da Guanabara.
O pai de Morretes chamou no celular.
—Amanhã. Minha vez de ser vacinado.
—Hã.
—Você me leva no posto?
Morretes tinha muito o que fazer.
—Eu combatendo a bandidagem... virar babá de aposentado.
Mas não teve jeito.
Seis da manhã. A fila já dobrava o quarteirão.
—Xi... e agora, filho?
—Espera, ué.
O pai de Morretes usou a antiga voz de comando.
—Espero coisa nenhuma. E você que tome providências.
Morretes tomou a decisão.
—Pega a metranca aí no banco de trás.
Vinte e oito idosos foram fuzilados na hora.
A fila desapareceu rapidinho.
Morretes se justifica.
—Se não é bandido, é pai ou é mãe de bandido.
—Obrigadão, meu filho.
—Família em primeiro lugar.
Quando o sangue corre bem, a vacina entra mais depressa na veia.

Homem celebra vacina
Homem celebra vacina - Pexels
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