Voltaire de Souza: Balão e foguetório

Voltaire de Souza

Memória. Saudade. Tempo antigo.

As festas juninas são uma antiga tradição.

O sr. Valêncio se lembrava da roça.

—Fogueira… balão… buscapé.

Nada disso sobrevive hoje em dia.

—Em vez de sanfoneiro, é só música de fita.

Aos 85 anos, ele também sentia falta da comida tradicional.

—Isso que vendem aí não é curau de verdade.

O suspiro chegou entrecortado.

—Sem gosto de nada.

A neta Rosângela desconfiou.

​—Não será Covid?

Foram medir a temperatura.

—Pior do que quentão.

O sr. Valêncio foi transportado a um famoso hospital.

A medicação entrava por via venosa.

A família estava reunida.

—Tão calmo...

Um barulho intenso vinha de fora.

—Nossa… como é que ele não acorda?

Os olhos do ancião se abriram.

—Quanto rojão… ô beleza.

Sua mente voltava aos tempos da roça.

—Foguetório bão… é festa mesmo.

Estampidos. Roncos. Explosões.

Rosângela foi olhar pela janela.

—Quanta motocicleta.

Era a motociata de Bolsonaro. Passando pela 23.

O sr. Valêncio sorria.

—Acho que vão me trazer cloroquina.

O óbito se deu poucas horas depois.

As festas juninas diminuem.

Balão, hoje em dia, só de oxigênio.

E olhe lá.

Balão e foguetório
Balão e foguetório - Pexels
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