Voltaire de Souza: Cálice de um sonho

Voltaire de Souza

Seca. Estiagem. Inverno.

É preocupante o nível dos reservatórios paulistas.

Chega a notícia.

Conta de energia pode ficar mais cara.

Elpídio era um ex-militante sindical.

—Ótimo. É isso aí.

O contentamento dele tinha razões claras.

—A conta vai cair em cima do Bolsonaro.

Eram grandes as esperanças do antigo esquerdista.

—Impeachment, pô.

Elpidio dava um risinho.

—Torcer para tudo continuar seco.

Ruídos preocupantes se ouviam ao longe.

—Será trovão?

Ele ligou o seu velho televisor Colorado RQ.

—Vamos ver a previsão do tempo.

O noticiário apresentava outra coisa.

—O barulho dos motores é intenso aqui na 23…

Elpídio se acomodou na poltrona.

—Tudo bem. Só uma coisa não pode secar aqui.

Ele apontou para a garrafa de conhaque.

O som das motos diminuía.

Veio o sonho.

Em vez de Bolsonaro, apareceu um famoso jogador de futebol.

—Cristiano Ronaldo?

O atleta chegou perto da garrafa.

Um tapão afastou o conhaque da mesinha de centro.

—Dzishte desht purcaríia, Éulpízio.

Elpídio acordou com vontade de mais uma dose.

Garrafas são como presidentes.

Para afastar, sonhos não bastam.

Club da Cana, na r. Barao de Tatui, Santa Cecilia. Na foto, calice onde e a servida a cachaca, apesar de nao ser o copo oficial
Garrafas são como presidentes. Para afastar, sonhos não bastam. - Adriana Elias/Folha

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