Depois de ficar 191 dias internado por causa da Covid-19 e por complicações derivadas da doença, Carlos Massatoshi Higa, 72 anos, recebeu alta do Hospital São Camilo, em Santana (zona norte da cidade de São Paulo), na última segunda-feira (4). Contudo, a felicidade veio seguida de uma grande preocupação: uma conta de R$ 2,6 milhões pela internação.
De acordo com Juliana Suyama Higa, 37 anos, filha de Carlos e professora da rede municipal, o valor da dívida preocupa, mas ela espera resolver o problema logo.
“Nós não negamos a dívida e queremos negociar e pagar o mais rápido possível. Meu pai sempre se preocupou em nunca dever para ninguém, ele trabalhou a vida inteira para isso”, diz Juliana.
Segundo ela, o pai ficou sabendo do valor assim que deixou o hospital e colocou sua banca de jornal, na Vila Nova Cachoeirinha (zona norte da capital paulista), que possui há mais de 21 anos, e uma reserva de dinheiro que tem à disposição. Além disso, a filha criou uma vaquinha virtual que já conta com mais de R$ 110 mil. A doação também pode ser feita pela chave Pix julianahiga@yahoo.com.br.
“Ainda estamos tentando entender todo esse período terrível que passamos, mas já contratamos um advogado para nos auxiliar e nos mostrar o melhor caminho”, afirma a filha.
Atualmente, Carlos tem limitações na fala e nos movimentos, e ainda precisa de cuidados para se recuperar das sequelas da doença.
Ele passou mal quando trabalhava em sua banca em março. Carlos havia tomado a primeira dose da vacina da fabricante Coronovac no dia 19 de março e acabou indo ao pronto-socorro na madrugada do dia 26.
“Achamos que ele foi infectado poucos dias antes de se vacinar ou pouco depois. Infelizmente nem deu tempo da vacina fazer efeito. A vacina chegou tarde para ele”, destaca Juliana.
Carlos foi socorrido pelos ambulantes da região e primeiro passou por um médico amigo da família, que deu um remédio e indicou que ele fizesse o teste para detectar Covid-19. Mesmo com o resultado positivo, Carlos desconfiou por ser um teste de farmácia e imaginou que fosse apenas uma gripe forte.
Contudo, com o passar dos dias, ele perdeu o olfato e o paladar, teve febres altas e uma elevada dessaturação de oxigênio. Com o agravamento do quadro, a família optou por levá-lo ao pronto-socorro.
“Fomos direto para o hospital privado porque sabíamos que os públicos estavam com uma superlotação. Era justamente na época do aumento de casos. Na hora do desespero não pensei duas vezes. O problema é que meu pai não tem seguro saúde”, diz Juliana, que também foi infectada durante esse período e precisou ficar internada em estado de observação.
“O médico recomendou que meu pai fosse internado para observação e aceitamos porque na nossa cabeça não ia ser uma internação longa”, completa a filha.
O idoso respondeu bem ao tratamento inicial e tinha previsão de alta poucos dias depois de dar entrada no hospital. Contudo, no dia da saída, o seu quadro piorou muito e Carlos precisou ser intubado. “Primeiro foi com o tubo pela boca e depois com a traqueostomia, com ventilação mecânica, que perdurou durante muito tempo”, ressalta Juliana.
Segundo a filha, quase no segundo mês, o próprio Hospital São Camilo recomendou que o seu pai fosse transferido para a rede pública por causa dos elevados gastos. Ela concordou e Carlos entrou para a fila do SUS (Sistema Único de Saúde). Já durante esse período, o idoso testou negativo para Covid-19 e foi para uma ala normal do hospital.
Primeiro, o Governo de São Paulo cedeu uma vaga no Hospital da Brasilândia, em 12 de junho, porém era para a ala Covid e Juliana recusou. “Tinha medo do meu pai ser reinfectado e voltar a piorar. Era a última coisa que queria”, afirma.
Pouco depois, a Prefeitura de São Paulo cedeu, em 24 de junho, uma vaga no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, em Santana (zona norte de São Paulo). Segundo Juliana, a gestão municipal informou que a vaga era em uma ala normal e sem contato com pacientes Covid.
“Eu contratei uma ambulância particular, levei meu pai até lá e quando cheguei me informaram que era para a ala Covid. O próprio médico de lá me recomendou voltar para o hospital privado”, relembra.
Dessa forma, Carlos voltou a ser internado no São Camilo e não conseguiu mais vagas na rede pública. Ele permaneceu na sede do hospital privado até o dia 30 de agosto. Durante a internação, ele precisou ficar mais de 100 dias com ventilação mecânica, além de ter tido duas convulsões e um AVC e precisar fazer hemodiálise.
Depois, Carlos foi transferido para a unidade da Granja Viana, uma instituição de retaguarda da rede São Camilo e que ajudou na recuperação. Segundo a filha, essa internação particular já foi paga. O idoso retornou para casa apenas no último dia 4.
Antes de comprar a banca de jornal há 21 anos, Carlos Massatoshi Higa, segundo relata sua filha, foi representante comercial de equipamentos médicos, motorista particular e de táxi, trabalhou em feira e confecção. Ele, que é casado com Mieko, 66 anos, é morador da Vila Nova Cachoeirinha há mais de 50 anos.
Discussão judicial
Casos como esse podem parar na Justiça, segundo Marco Antonio Araujo Junior, especialista em direito do consumidor. Segundo o especialista, uma negociação só seria possível com liberalidade das partes, mas que o hospital particular pode executar o contrato assinado no começo da internação para pedir os valores.
“Se ela tiver bens, os bens serão executados, o juiz pode determinar o bloqueio da conta corrente e de investimentos, e a pessoa entra em um processo de execução de dívida como em qualquer outro contrato”, diz.
Resposta
Em nota à reportagem, a rede de Hospitais São Camilo de São Paulo afirma que oferta serviços particulares de forma transparente e com custos compatíveis com o mercado.
“O acometimento por Covid-19 pode implicar em internações de longa permanência, com valores notoriamente altos. No caso em questão, as informações eram atualizadas constantemente à família”, diz a rede.
“A instituição reforça sua missão de cuidar e valorizar a vida, priorizando a excelência dos serviços prestados, e segue à disposição para quaisquer esclarecimentos”, completa.
Já o Governo de São Paulo, gestão João Doria (PSDB), o caso de Carlos foi conduzido inicialmente pela Central de Regulação Estadual, com vaga cedida para o Hospital da Brasilândia em 12 de junho.
“Posteriormente, o caso foi assumido pela Central de Regulação do município de São Paulo, com vaga de UTI cedida no Conjunto Hospitalar do Mandaqui em 24 de junho. Entretanto, o paciente não deu entrada na unidade e não houve novas solicitações junto à Regulação estadual”, afirma.
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