Apesar da volta dos alunos para as aulas 100% presenciais estarem previstas para a segunda-feira (25), muitos estudantes da rede municipal não farão parte desse retorno por serem alunos de escolas que estão fechadas por problemas estruturais, algumas delas há mais de um ano.
Os alunos do CEU Formosa são um exemplo. Com problemas hidráulicos que surgiram em meados de 2020, a unidade, que fica na zona leste da capital, está interditada e sem previsão para reabertura.
Como explica uma professora do CEU, que prefere não se identificar, os problemas apareceram em 2020, durante o período em que as escolas estavam fechadas por causa da pandemia. Já em 2021, em fevereiro, quando os professores retornaram ao trabalho para passar a dar aulas presenciais para 35% dos alunos, o grupo foi avisado que permaneceria em trabalho remoto pois o problema com a caixa d’água tinha se agravado.
A professora ainda afirma que a situação deixa docentes, alunos, pais e a comunidade da região como um todo indignados, pois nada foi feito desde então. Apenas em agosto desse ano o CEU foi completamente interditado e, no dia 10 de setembro, foi publicada no Diário Oficial o processo de licitação para realização da obra na unidade.
Questionada sobre a situação, a Secretaria Municipal de Educação confirma o problema e diz que o processo de licitação para o reparo foi publicado em setembro, mas não dá nenhuma previsão nem para início das obras, muito menos para reabertura do CEU.
Outra escola da rede municipal que passa por situação semelhante é a EMEI Aviador Edu Chaves. A unidade, que fica na zona norte de São Paulo, foi invadida e furtada em três ocasiões, uma em dezembro de 2020 e outras duas em janeiros de 2021. Foram levados fiação elétrica, torneiras, vasos sanitários e itens da cozinha da escola.
Desde então, os 570 alunos da unidade não puderam mais ir à escola. No momento, 40 crianças da EMEI têm tido aulas remotas, mas 330 seguem sem aula presencial ou online. Em agosto, 200 foram transferidas para a EMEF Franklyn Augusto de Moura Campos, que fica na Vila Gustavo, a 4 km da EMEI, e atende alunos mais velhos que os vindos da escola de ensino infantil.
Os pais dos alunos que foram transferidos se mostram preocupados e desconfortáveis com a situação, assim como os dos pequenos que seguem sem aula.
A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Educação, diz que lamenta que a EMEI tenha sido vítima de furtos e vandalismo e afirma que a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras está elaborando o processo licitatório para contratação das obras necessárias de manutenção na unidade e que este será publicado até o final do mês. Mas não apresenta prazo para reabertura.
“No momento, as crianças estão com atendimento remoto e quem optou pelo presencial, é atendido pela EMEF Franklyn Augusto de Moura Campos e, caso necessário, acesso ao Transporte Escolar Gratuito. Reuniões online e presenciais foram realizadas com as famílias e a unidade permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos. O atendimento remoto ocorre através do Google Sala de Aula e de outras ferramentas que auxiliam no ensino híbrido, como materiais impressos a serem retirados pelos pais/responsáveis, conforme organização da Unidade Educacional”, afirma a secretaria em nota.
Ainda segundo a SME, a Diretoria Regional de Educação solicitou reforço na ronda para a Guarda Civil Metropolitana na região da escola para tentar evitar novos furtos.
A situação enfrentada pelos alunos do CEU Formosa e aa EMEI Aviador Edu Chaves, se repetem por toda a capital. Segundo o próprio secretário municipal de educação, Fernando Padula, das 1.500 escolas da administração municipal, 19 têm problemas físicos e não vão atender seus alunos presencialmente, mantendo as aulas apenas de forma online, mesmo com a retomada no restante das unidades da rede.
A permissão para que as escolas da rede municipal possam receber 100% dos alunos presencialmente e sem distanciamento social coloca fim ao rodízio que vinha ocorrendo até o momento. No entanto, a secretaria alega que a presença na sala de aula não será obrigatória.
“É um descaso muito grande com a educação”
O CEU Formosa – Professor Eden Silvério de Oliveira é um complexo composto pelas CEI e EMEI Formosa, pela EMEF Professora Maria Aparecida de Souza Campos, além de um teatro com 184 lugares, um telecentro, uma biblioteca, três piscinas e duas quadras. Só nas três unidades de ensino são atendidos cerca de 1.400 alunos.
A interdição do espaço afeta a vida da comunidade da região das mais variadas formas.
“Tem a questão social, a questão alimentar que é muito séria porque muitas dessas crianças estão em situação de vulnerabilidade, já que elas se alimentavam dentro da escola e não estão tendo esse acesso. O impacto para a aprendizagem no desempenho escolar também é muito forte. Há a questão da própria evasão escolar, muitos alunos evadiram. No caso das crianças com deficiência, muitos pais acharam melhor que elas se afastassem porque não estavam conseguindo acompanhar a aula online. Os educadores também ficam sobrecarregados com as atividades nas aulas remotas”, aponta uma professora de uma das unidades de educação do CEU.
A mãe de um garoto que está no 9º ano, mas que preferiu não ter sua identidade exposta, revela grande preocupação com seu filho e os colegas de classe. “É o último ano meu filho no CEU, porque lá não tem ensino médio. As crianças do ano dele são as mais prejudicadas. Eles tiveram o 8º e o 9º ano muito fracos, sem ter estudado direito. Como é que ele vai para o colegial assim? Estuda só duas horas por dia via tablet. Gostaria que ele entrasse na ETEC no ano que vem, mas como ele e as crianças da idade dele vão fazer uma prova, uma espécie de vestibular com 50 questões? É um descaso muito grande com a educação essa demora para realizar a obra e reabrir”.
Mas o CEU não atende a população apenas no âmbito educacional, ele também é um espaço de lazer e prática de esportes.
A técnica de logística, Cristiane Lima, de 42 anos, conta que ela e a filha frequentam há muito tempo o espaço para as mais variadas práticas.
“A gente começou lá fazendo Kong Fu. Era um trabalho de um grupo de voluntários, tinha uma turma bem grande. Aí depois minha filha passou a fazer rugby e eu fiquei mais nas ginásticas, aula de dança, várias atividades legais. A gente também usava bastante a biblioteca, a sala de informática, ia ao teatro...participávamos de tudo. O CEU é um espaço maravilhoso. Final de semana a gente ia para a piscina... e assim, está fazendo muita falta para todo mundo ali da região porque era o único lugar de lazer”, conta Cris, como é conhecida na região.
Tanto Cristiane, quanto a professora e a mãe do aluno do 9º apontaram que a importância do CEU para a região pode ser medida pelo empenho da comunidade em cobrar uma resolução para a situação.
“Eu mesma vou lá toda semana para saber como é que está, faço parte do conselho. Também movi um abaixo assinado online há mais ou menos um mês. A comunidade está bem envolvida, a associação do bairro também”, afirma Cristiane.
Segundo a professora da unidade, um protesto popular será realizado no dia 5 de novembro na porta do CEU Formosa.
A origem do problema
Segundo o Gustavo Fernandes, professor de finanças públicas e administração da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o problema que provoca situações como as que se encontram as 19 escolas, que apresentam problemas físicos e que por isso não receberão seus estudantes para aulas presenciais, tem origem em dois mecanismos.
“Esses casos são reflexos de dois mecanismos que são muito fracos na administração brasileira. O primeiro é o controle, é a inexistência de um sistema de monitoramento, que consiga identificar onde estão as necessidades de manutenção e investimento e gerar informação para o gestor. O segundo ponto é o planejamento, que na verdade está intimamente ligada com a questão anterior. Porque, se eu tenho as informações, sei o que tem, sei o que está acontecendo, aí eu consigo tomar as decisões corretas, consigo ter a capacidade de planejar para efetuar gastos de conservação, manutenção e o gastos de melhoria”, afirma o professor.
Para ele, esse é um problema de gestão que se repete por todos os estados do Brasil.
“O que falta é capacidade de gestão, capacidade organizacional, não é a capacidade de um indivíduo especificamente, é a incapacidade da instituição de funcionar melhor. O que eu vejo é uma questão muito maior do que um problema por exemplo de omissão do gestor. Não é uma questão apenas pessoal, é uma questão estrutural. O que que solucionaria isso a médio e longo prazo? Um investimento em melhoria de gestão, de sistemas das prefeituras”, diz Fernandes.
O professor da FGV aponta ainda que esse problema pode refletir até na não utilização de valores já disponíveis.
“Até quando o recurso financeiro sobra, numa administração que não tem capacidade de planejamento, o que acontece é que sobra dinheiro. O que gera um paradoxo, um país em que falta tanta coisa ter dinheiro parado nas mãos da administração pública”.
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