Léa Garcia, 88 anos, uma das principais atrizes brasileiras, tem uma carreira extensa, de mais de 60 anos. Começou sua história no teatro e se tornou conhecida do grande público pelas novelas na televisão. No cinema, é, ao lado de Ruth de Souza, morta em 2019, uma das desbravadoras da presença de atrizes negras em filmes brasileiros.
Presença até hoje pequena e que não espelha a realidade do país. Em 2018, pesquisa da Ancine com dados das produções de 2016 apontou que os negros eram minoria no audiovisual brasileiro. Em um total de 142 longas lançados naquele ano, só 13,3% tinham elenco principal formado por pretos e pardos, apesar de representarem mais da metade da população brasileira. Não há dados mais recentes da Ancine.
A atriz nasceu no Rio, em março de 1933, filha de uma modista e de um bombeiro hidráulico. Aos 11 anos, perdeu a mãe e foi morar com a avó, que trabalhava como doméstica em Copacabana.
Formou-se em contabilidade, como queria o pai, mas sua história mudou no início dos anos 1950, ao conhecer o Teatro Experimental do Negro, grupo criado pelo ator Abdias do Nascimento e do qual Ruth de Souza fazia parte. Em 1952, estreou no teatro em ‘Rapsódia Negra’, tendo atuado em outras sete montagens do grupo.
Uma delas, ‘Orfeu da Conceição’, adaptação de Vinicius de Moraes da tragédia grega para os morros cariocas, a levou a sua estreia no cinema. A peça tinha um elenco formado por 40 negros. Léa interpretava Mira, ex-namorada de Orfeu.
A atriz foi a única da montagem a participar da versão cinematográfica, ‘Orfeu do Carnaval’, dirigida por Marcel Camus em 1959. Passou em testes e interpretou outra personagem, Serafina, que não existe na peça. O sucesso foi estrondoso (leia ao lado).
A ‘Orfeu’ seguiu-se o clássico ‘Ganga Zumba’ (1963), estreia de Cacá Diegues na direção. A partir de então, a atriz passou a dividir-se entre o teatro, o cinema e a televisão, sempre buscando o protagonismo negro e o engajamento antirrascista.
No cinema, um dos exemplos é o filme ‘Filhas do Vento’, de Joel Zito Araújo. Com elenco predominantemente negro, o filme fala sobre gerações de mulheres negras em Minas Gerais. Na trama, Léa e Ruth de Souza interpretam irmãs. As duas compartilharam o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado de 2004. Infelizmente, o longa não está disponível nos serviços de streaming.
ONDE VER FILMES COM A ATRIZ
(preços e disponibilidade nos serviços de streaming pesquisados no dia 18 de novembro)
ORFEU DO CARNAVAL (1959)
Prime Video, Looke e Old Flix: para assinantes. Apple TV: R$ 4,90 (aluguel) e R$ 19,90 (compra). NOW: R$ 6,90 (aluguel)
GANGA ZUMBA (1963)
Apple TV: R$ 11,90 (aluguel) e R$ 24,90 (compra)
VINICIUS (2005)
Netflix e Globoplay: para assinantes
EXU - ABDIAS NASCIMENTO (2017)
Prime Video, Looke e NOW: para assinantes
Looke: R$ 1,99 (aluguel) e R$ 6,99 (compra)
BOCA DE OURO (2019)
Telecine: para assinantes
Apple TV: R$ 14,90 (aluguel) e R$ 19,90 (compra)
Google Play: R$ 6,90 (aluguel) e R$ 12,90 (compra)
M-8, QUANTO A MORTE SOCORRE A VIDA (2019)
Netflix: para assinantes
Apple TV: R$ 7,90 (aluguel) e R$ 14,90 (compra)
UM DIA COM JERUSA (2020)
Netflix: para assinantes
'Orfeu' mostrou atriz para o mundo
O longa ‘Orfeu do Carnaval’, dirigido pelo francês Marcel Camus, correu o mundo e fez muito sucesso, recebendo a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1959 e o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1960.
Pela interpretação de Serafina, uma personagem leve e engraçada, Léa Garcia foi indicada ao prêmio de melhor atriz em Cannes. A vencedora foi Simone Signoret, por ‘Almas em Leilão’.
Léa não chegou a ir ao festival, mas o sucesso do filme a levou a Paris, ao lado de Lourdes de Oliveira, outra atriz do longa, onde conheceram atores como Jeanne Moreau e Sidney Poitier. Na capital francesa, deram entrevistas a jornais e revistas.
No ano seguinte, Camus convidou Léa e Lourdes para mais um filme, ‘Os Bandeirantes’, rodado na Amazônia. O longa, no entanto, não fez sucesso como ‘Orfeu’.
Esta não foi a única parceria que Léa repetiu no cinema. Depois de ‘Ganga Zumba’, em que contracenou com Antonio Pitanga, ela voltou a ser dirigida por Cacá Diegues em ‘Quilombo’ (1984), ‘Orfeu’ (1999), nova versão do clássico, e ‘O Maior Amor do Mundo’ (2006).
Longa mais recente fala de memória e história negra
A memória, o esquecimento, a solidão, a velhice e a história dos negros no bairro do Bexiga são o centro do filme mais recente de Léa Garcia, ‘Um Dia com Jerusa’ (2020).
O filme, que entrou no catálogo da Netflix neste ano, foi dirigido por Viviane Ferreira, uma das poucas diretoras negras a ter uma obra lançada comercialmente no país.
O longa é a refilmagem de ‘O Dia de Jerusa’ (2014), curta de Viviane que foi exibido no Festival de Cannes. Léa participou das duas produções, assim como a atriz Débora Marçal, com quem a veterana divide a maior parte das cenas.
Na trama, Débora é Silvia, funcionária de uma empresa de pesquisas de opinião. Ela bate à porta de Jerusa (Léa), moradora do Bexiga (região central de São Paulo), para aplicar um questionário sobre sabão em pó, mas acaba envolvida nas memórias contadas pela entrevistada.
Jerusa está completando 77 anos e diz esperar parentes para uma festinha. Enquanto faz os preparativos, relembra a história dos negros no bairro a partir das trajetórias de sua avó, de sua mãe e de si própria, das águas do Saracura, rio canalizado que corre pelo bairro, e dos antigos Carnavais, quando a escola de samba Vai-Vai ainda era um cordão.
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