TCM aponta irregularidades em contrato de manutenção do Vale do Anhangabaú, em SP

Relatório preliminar analisou documentos e acordos entre secretaria e empresa SPTuris

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Mariane Ribeiro
São Paulo

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo constatou irregularidades no contrato entre a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB) e a SPTuris para manutenção do vale do Anhangabaú após a revitalização.

Segundo o relatório preliminar feito pelos auditores do TCM, o contrato assinado de prestação de serviços de suporte logístico na instalação de gradis, limpeza, estruturação de operação dos quiosques e área da pista de skate já traz irregularidade logo na base por se tratar de uma contratação direta por dispensa de licitação sem explicação do motivo pelo qual a licitação não foi realizada.

"É irregular a contratação por ausência de justificação e da fundamentação legal da dispensa de licitação", apontam os auditores na conclusão do relatório.

O contrato de prestação de serviços entre a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras e a SPTuris foi assinado em 25 de março de 2021, no valor de R$ 1.238.300,09, para manutenção do espaço por 38 dias, a partir de 22 de fevereiro. Segundo o Tribunal de Contas, foram registrados pagamentos que somam R$ 831.178,93.

Quase quatro meses depois de aberto como área de lazer aos domingos, o vale do Anhangabaú não esta totalmente disponível ao público - Rivaldo Gomes - 5.nov.21/Folhapress

Outra questão que é apontada pelo TCM é a realização de um contrato para que uma empresa execute um serviço que deveria ser de responsabilidade da administração do município.

"É dizer, contratou-se uma terceira parte (SPTURIS) para exercer, com terceirização quase total do objeto, aquilo que a Prefeitura (ente central) sempre o fez diretamente", aponta o relatório preliminar.

Os auditores ainda argumentam que atrasos no processo de concorrência para a concessão do vale do Anhangabaú não impediram a atuação da prefeitura, uma vez que "as obras de reforma e revitalização do vale tinham seu cronograma conhecido e acompanhado detidamente pela SIURB".

Mais dois pontos são indicados na conclusão do relatório preliminar. Um é o fato de a prefeitura ter realizado "contratação verbal" e prorrogação de contrato que já estava vencido. As duas ações não são permitidas pela lei.

O outro é a "emissão de nota de emprenho sem prévio empenho", o que significa que a foi apontado que a SIURB emitiu uma nota de pagamento em 16 abril antes do serviço do contrato ser realizado, comprovado e avaliado. Irregularidade igual é apontada na emissão de uma nota de R$ 400 mil, em 7 de junho, que seria referente a uma nova prorrogação do contrato, mas que o Termo de Aditamento, não foi encontrado pelos auditores.

Os auditores ainda questionam a contratação de uma empresa de "atividades turísticas e eventos" para cuidar da manutenção do vale e apontam "violação aos Princípio da Economicidade" pela secretaria ter arcado com "uma taxa de administração da SPTuris, além dos custos de insumos e serviços".

O Conselheiro Relator do TCM, Eduardo Tuma, afirma, em um áudio enviado pela assessoria do Tribunal, que "a prefeitura respondeu aos apontamentos feitos no parecer preliminar e as respostas foram encaminhadas, no dia 10 de novembro, para a auditoria do tribunal que produzirá um parecer conclusivo".

Em nota, o TCM explicou que "somente após a finalização desse trâmite, o processo passará pelo crivo dos demais conselheiros do órgão, que se pronunciarão pela regularidade ou irregularidade do contrato em Sessão Plenária".

Falta de transparência e planejamento

Para Gustavo Fernandes, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) os problemas relatados pelo TCM demonstram "ineficiência, falta de planejamento e de transparência por parte da prefeitura de São Paulo".

Segundo ele, a situação aponta falta de transparência porque em todo o processo a administração não deixa claro o que está sendo feito, quais são as necessidades e os próximos passos.

Fernandes diz que, aparentemente, não há motivo para não ter sido realizada uma licitação para escolha da empresa que ia realizar os serviços no vale do Anhangabaú.

"São atividades triviais, realizadas constantemente pelos órgãos da prefeitura, por isso não faz sentido a dispensa de licitação. Não aconteceu nada fora do normal que justificasse essa decisão", afirma o professor.

Ele afirma que os pontos levantados no relatório preliminar mostram que a prefeitura foi ineficiente na execução do projeto de revitalização, que abrange a obra e o processo de concessão.

"Na verdade, fez essa contratação com todas essas prorrogações e questões mal apresentadas porque está tentado tampar a própria falha, que foi não conseguir realizar com agilidade o processo licitatório da concessão".

Fernandes ainda destaca que a "emissão de nota de emprenho sem prévio empenho" apontada pelos auditores é uma irregularidade grave.

"A lei brasileira diz que a administração pública jamais pode fazer pagamento antecipado. Não é um crime de consequências penais, a não ser que seja provado dolo, mas é, sem dúvida, uma irregularidade que, para a gente que trabalha com contabilidade pública é grave", afirma o professor.

Segundo ele, há um rito a ser seguido antes do pagamento de um serviço pela administração. "Para fazer um pagamento, é necessário emitir a nota, a documentação necessária; depois um servidor tem que atestar a entrega e a qualidade do serviço que foi prestado e aí então que é feito o pagamento".

Resposta

Questionada sobre o contrato e os termos aditivos fechados com a SPTuris, a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras afirmou que "o contrato 007/SIURB/2021 foi celebrado junto à SPTuris tendo como base todos os parâmetros previstos na Lei 8.666/93 (como ocorre com todos os contratos da SIURB)".

A pasta afirmou ainda que o contrato em questão não representou qualquer prejuízo aos cofres públicos e disse que os serviços foram contratados porque "não estavam previstos no contrato de execução das obras de requalificação do espaço".

Sobre a auditoria do Tribunal de Contas do Município, a gestão Ricardo Nunes disse ser "procedimento comum às atividades do órgão de fiscalização nos mais diversos contratos públicos" e afirmou que "as secretarias já estão prestando esclarecimentos junto ao Tribunal".

A SPTuris foi procurada pelo Agora para se posicionar sobre o caso, mas não atendeu às nossas solicitações até a publicação desta reportagem.

Vale do Anhangabaú segue fechado

Quase quatro meses após a cerimônia de reinauguração, o vale do Anhangabaú segue fechado com grades ao público.

O Agora esteve no local na última sexta-feira (5) e verificou que apenas a área para o uso de skatistas está aberta. Quiosques, banheiros e fraldários continuam fechados.

No momento, as fontes também não funcionavam e os canteiros apresentavam vegetação alta.

Segundo moradores e trabalhadores da região, o vale abriu apenas uma vez após a reinauguração em 25 de julho.

Questionada sobre a reabertura, a Secretaria de Governo informou apenas que "o Consórcio Viva o Vale assumirá integralmente a área no dia 6 de dezembro".

O consórcio é liderado pela empresa Urbancom e fechou um contrato de R$ 49 milhões com a prefeitura em julho deste ano. O contrato tem duração de dez anos e contempla a gestão, manutenção, preservação e ativação sociocultural de toda a área.

As obras do projeto de revitalização do vale do Anhangabaú começaram em junho de 2019, com finalização prevista, inicialmente, para junho de 2020.

Segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), o projeto custou R$ 105, 6 milhões.

Após sete adiamentos, o espaço foi reinaugurado em 25 de julho, quando a cidade atingiu a marca de 80% da população vacinada contra a Covid-19.

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