Silvia Grecco, uma mãe que narra os jogos de futebol do Palmeiras no estádio para o filho Nickollas, 11 anos, que nasceu com deficiência visual e autismo, comoveu o Brasil. Como reconhecimento, ela foi indicada pela Fifa, ao lado do garoto, ao prêmio Fan Award, dedicado aos momentos marcantes nas arquibancadas.
O resultado da votação será conhecido na premiação dos melhores do mundo, nesta segunda-feira (23), na cidade de Milão, na Itália.
“Eu não esperava a indicação. Acredito que isso é uma missão! Não temos a vaidade da exposição, mas agora temos uma missão e eu não quero parar de falar que a pessoa com deficiência existe. Que o futebol e o esporte podem ser transformadores. Precisamos incluir essas pessoas. Dar oportunidade, amor e respeito”, disse Silvia em entrevista ao Agora.
“Posso falar isso para o mundo e, para mim, está valendo a pena porque eu tenho participado da vida de outras pessoas e crianças com deficiência. A conquista tem sido muito grande nesse sentido. Saber que as pessoas estão respeitando, [vale] mais que qualquer título. Premiados nós já estamos!”, comentou Silvia, enquanto seu filho era representante de um projeto de inclusão social no Caioba Soccer Camp, em Mogi das Cruzes (SP).
O torcedor palestrino Nickollas nasceu cinco meses prematuro e, devido às complicações, sua retina não se formou. Além da deficiência visual, Nickollas também foi diagnosticado com autismo leve. Apesar de todas as dificuldades, o futebol mudou sua vida pelas mãos, ou melhor, pela voz de sua mãe adotiva.
Silvia adotou a criança ainda com quatro meses e encontrou uma maneira de ajudar ou filho a lidar com a vida cotidiana pelo esporte.
A mãe passou a levar Nickollas para assistir ao clube do coração no estádio, mas mudou a estratégia de contar sobre a partida.
“Nos primeiros jogos, eu colocava o rádio no celular e o fone, mas ele se contagiava muito com a torcida. Então acabava tirando e pulava sem parar. E eu ali, vibrando com tudo, mas me incomodava saber que ele estava pulando sem saber o que estava acontecendo. A descrição do local eu sempre fiz, mas comecei a falar um pouco das jogadas, com a minha emoção de mãe narradora e torcedora. Ele recusava o radinho e me pedia para falar. Eu realmente fico o jogo inteiro falando tudo”, comentou, aos risos, a secretária de promoção social da cidade de Mauá (SP).
Agora, a torcedora palmeirense quer proporcionar essa experiência para mais jovens com deficiência e já elabora um projeto para isso. Silvia, inclusive, já teve a primeira oportunidade com alguns amigos de Nickollas.
“Estou pensando e escrevendo algumas coisas para ver se consigo colocar em prática. O Nickollas já levou no estádio amigos que ele conheceu nas redes sociais, palmeirenses com síndrome de Down, autismo ou cadeirante. Nós fomos em dez e foi uma experiência muito bacana. Era a primeira vez que eles tinham ido. Tomara que a gente consiga fazer isso com todos os outros times”, disse.
“Meu sonho é andar pelo Brasileirão proporcionando isso aos outros. O meu filho tem essa oportunidade porque eu posso levar, mas a grande maioria não tem. Os deficientes precisam de terapia, acompanhamento médico e 90% das pessoas com deficiência estão em lares vulneráveis, não tem essa condição. É muito triste. E não é fácil. Vou fazer com que possa realizar esse sonho”, falou Silvia.
Prematuro, Nickollas passou quatro meses na UTI
Apesar da forte ligação, o menino Nickollas não é filho de sangue de Silvia Grecco. Formada em ciências sociais, ela decidiu adotar a criança quando sua filha mais velha, Márjori, já tinha 20 anos.
“Era um desejo muito grande nosso e eu tinha muita vontade de adotar um segundo filho. Então me inscrevi na Vara da Infância da cidade onde morava e não demorou muito porque eu não fiz exigências. Com sete meses eu fui chamada pela juíza da Vara para falar com um médico sobre um bebê que já tinha sido passado para 12 casais, eu era a 13ª. Foi em uma sexta-feira à tarde, me lembro muito bem. Saí do fórum para ir até o hospital cheia de expectativa. Quando cheguei lá, o médico colocou o Nickollas no meu colo e me contou a história da criança”, disse Silvia.
“Quando a gente tem um parto, corta o cordão umbilical, ali acho que amarrei meu coração com o dele. Foi incrível! A vontade era de levar ele ali na hora. Mesmo sabendo de todas as sequelas por causa da prematuridade”, comentou.
“O Nickollas nasceu com cinco meses e pesando meio quilo, ficou quatro meses na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), teve uma parada cardíaca e, inclusive, foi assinado o óbito. Ele veio realmente para marcar nesse mundo. Para marcar minha vida. Eu não existo sem ele, e ele não existe sem mim. É uma cumplicidade muito grande”, se derrete Silvia. “Ele chegou com quatro meses. Ele nasceu na nossa vida com nove meses.”
Silvia Grecco também opinou sobre o processo de adoção no país e ressaltou os problemas enfrentados.
“Infelizmente, tem uma coisa nesse processo: a conta não bate quando a gente fala de adoção porque existem muito mais pessoas que querem adotar do que crianças para serem adotadas. Mas a escolha da menina, da loirinha, do bebê acaba não dando tanta oportunidade [às demais crianças]”, lamentou Silvia.
Prêmio da torcida mostra o que vai além do jogo
Criada em 2016, a categoria Fan Award —ou Prêmio da Torcida— tenta mostrar como o esporte pode ser apaixonante, algo que vai além das quatro linhas do campo, fazendo valer a máxima que “não é só futebol“.
Com os torcedores símbolos do Verdão concorrem o uruguaio Justo Sánchez, que homenageia o filho nos jogos do Rampla Juniors, e a torcida da Holanda.
No ano passado, os torcedores do Peru foram escolhidos pela festa durante a Copa do Mundo da Rússia.
Eles levaram a melhor sobre as torcidas de Japão e Senegal, que, juntas, recolheram o lixo após o jogo, e o chileno Sebastián Carrera, que viajou mais de 1.500 quilômetros para acompanhar, sozinho, o modesto Puerto Montt, fora de casa.
Em 2016, as torcidas de Borussia Dortmund e Liverpool emocionaram o mundo ao entoar, juntas, a música “You’ll Never Walk Alone”, no estádio Anfield, na véspera do 27º aniversário do desastre de Hillsborough, que deixou 96 mortos e mais de 700 feridos.
Um dos concorrentes era a torcida do ADO Den Haag, da Holanda, que, a cada visita ao Feyenoord, arremessa cerca de 3.000 bichos de pelúcia para crianças que fazem tratamento contra o câncer em Roterdã.
Em 2017, torcedores do Borussia que ofereceram abrigo a fãs rivais do Monaco, após o duelo ser adiado, e jogadores do Copenhague, que foram à arquibancada comemorar a conquista da Copa da Dinamarca com um torcedor cadeirante foram lembrados.
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