Casagrande, meu nome é Vitor. Sem “c”, como o seu filho Victor. Você é como um distante irmão mais velho. Mais pelo Sócrates e pela minha camisa igual à do Solito, mas também por sua causa, Casa, quis saber o que era democracia. Coisa de corinthiano que, nascido em 1977, deu o nome de Basílio ao filho. E me apaixonei por tabela, orra, meu, pela alvinegra Rita Lee. Rita Lee, como foi batizado por Osmar Santos, o locutor das Diretas, o seu gol na final contra o São Paulo, em 1982. Mais fã ainda de samba que de rock, vibrei também com “o pai da matéria”, na mesma transmissão, homenageando o “poeta do povo”. O saudoso Adoniram que seria, muitos anos depois, em 2018, homenageado por você no Theatro Municipal com o espetáculo “Adonirando”!
Se Deus está nas coincidências, você também é de 15 de abril, como minha são-paulina mãe Maria Dolores. Maria das dores e dos amores de codependente. Que sofreu um pouco com o pai, que bebia bem, que sofreu muito mais com o filho mais velho, que bebia muito mal.
Continuemos a travessia do tempo. Em 3 de outubro de 1993, quando você, vestido de Flamengo, marcou, contra, o gol da vitória do Corinthians, estava no Pacaembu. Não sabia que viraria jornalista, ainda nutria, como nutre hoje o meu Basílio, o sonho de ser jogador, mas você já fazia parte da minha vida e, mamado, engrossei o coro de “volta, Casão, seu lugar é no Timão”.
Idolatria também tem a ver com rebeldia. Se você ficou magro como o lateral Alfinete, eu fiquei inchado de tanto encher o bucho de cana. Maria-mole é doce, Campari é amargo, Cuba era um sonho de igualdade. Você trocou a Penha pela Lapa. Depois Pinheiros. Ah, Penha-Lapa, linha de ônibus com trajeto interminável, que, por isso, virou sinônimo de dose cheia em copo longo. Eu fiz o caminho inverso.
Adotei a sua ZL de nascença. O lado leste é o que melhor me entende, me veste. Sigamos a travessia. Não da marginal Tietê para a Pinheiros, mas da esburacada ponte do livre arbítrio que leva da margem da própria vontade à margem do amor-próprio. Você não é meu exemplo porque o que aprendi também com você, ídolo desde menino, é que ninguém merece o peso de ser o exemplo para ninguém. E ensino isso para o meu filho, para que ele nunca tenha como exemplo o pai e sua errática trajetória embebida de falhas.
Dose o remorso, Casa. Ainda que seja dose aceitar que não podemos com a mesma dose de quem não tem a mesma dependência e pode até exagerar na dose sem se viciar. É dose a overdose de preconceitos de canalhas que tratam com desumanidade quem sofre de uma doença demasiada humana. A única que, além de matar, humilha.
Bem-vindo de volta, Casão, ao timão da própria vida!
#SomosTodosCasagrande.
Sigamos a travessia!
Esta coluna, inspirada em “Travessia”, livro de Gilvan Ribeiro e Casagrande, é dedicada aos dependentes químicos, que lutam contra uma doença incurável, progressiva e fatal.
Guimarães Rosa: “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.