"Caboba é uma árvore de origem afro, que gera apenas frutos bons. Um caboba é uma boa pessoa por isso que chamo meus amigos e minha família assim. Acaba sendo uma troca: eu chamo eles de caboba e eles me chamam assim também." Quem conhece Sebastião Martins Oliveira Júnior, o Arzul, 48 anos, já é familiarizado com essa expressão.
Mais do que isso, a frase reflete bem o trabalho do preparador de goleiros da equipe principal do Santos, ainda mais no ano de 2020. Depois de perder Everson, titular da meta alvinegra na última temporada, para o Atlético-MG, vender Vanderlei, um dos líderes do elenco, para o Grêmio e ver Vladimir lesionar o pé, a solução foi recorrer aos jovens João Paulo e John.
A resposta positiva dos goleiros formados na base do clube foi imediata e muito graças ao trabalho de Arzul. "A importância do Arzul é gigantesca. Ele é um excelente profissional e vem demonstrando esse grande trabalho na qualidade dos goleiros do clube, junto com o Juninho, que também nos ajuda muito. O diferencial do Arzul é a repetição e a força nos movimentos", diz John, 24 anos, que subiu ao profissional em 2016 e é o atual dono da meta santista, em entrevista ao Agora.
João Paulo —campeão da Copa São Paulo em 2014 e promovido em 2015— também destaca a importância da convivência com goleiros veteranos ao longo dos últimos anos.
"Goleiro quando sobe para o time profissional tem um processo diferente do jogador de linha. Para nós existe uma hierarquia maior com os titulares da posição e todos nós respeitamos ela. Na época tinha o Aranha e o Vladimir. Depois veio Vanderlei e Everson. Nós respeitamos os mais experientes e aprendemos muito com eles, sempre esperando estar pronto para aproveitar a oportunidade quando ela aparecer", comenta o arqueiro de 25 anos.
Contudo, antes de virar preparador, era o próprio Arzul —apelido que ganhou ainda no início da carreira quando foi comparado a Julio César Arzú, goleiro titular de Honduras na Copa do Mundo de 1982— quem estava debaixo das traves. Nascido em Santos, ele começou atuando pela Portuguesa Santista e colecionou passagens pelo Juventus da Mooca, Paulista de Jundiaí, AD Guarujá e Jabaquara. Já no fim da carreira, em 1997, passou pelo Regata Santista Canovas, time de futsal.
O início da duradoura relação com o Santos se deu no ano seguinte. Em 1998, Caboba foi chamado para atuar como goleiro no futsal do clube e, pouco depois, convidado pelo ídolo Zito e por Abel Verônico, integrou as comissões das categorias de base sub-11, 13, 15 e 17 como preparador de goleiros já no campo.
"Eu já queria ser preparador de goleiros porque sempre tive vontade de poder passar para as outras pessoas esse conhecimento", comenta Arzul, antes de resgatar um período importante da sua vida quando jogava com Fernando Diniz, atual técnico do São Paulo.
"No Juventus, eu morava no alojamento na Rua Javari. Os outros iam embora depois dos treinos e eu ficava ali, fazendo um treinamento específico feito por mim. Tinha um paredão e eu batia bola com as duas pernas, treinando reposições. O Diniz ficava me ajudando e eu fazia essas variações de perna e posições", destaca.
Antes de chegar ao profissional, Arzul seguiu por mais alguns anos comandando quatro categorias de base, até subir para o sub-20, onde trabalhou com nomes como Vladimir, Rafael e Felipe. Além da ajuda dentro das quatro linhas, o preparador de goleiros tinha um papel fundamental fora.
"O Arzul levava a câmera dele para filmar os nossos treinamentos e uma, duas vezes por semana ele chamava todos os goleiros para irem na casa dele. A esposa dele preparava um lanche maravilhoso, depois a gente assistia aos treinos e ele mostrava o que cada um poderia melhorar. Ele fazia isso no tempo livre dele. A dedicação do Arzul é o segredo do Santos conseguir formar e usar tantos goleiros bons da base", enfatiza Rafael Cabral, fundamental na conquista da Taça Libertadores em 2011 pelo Peixe.
Arzul ainda resgata a boa convivência que teve com os goleiros na base. "O futebol passa muito rápido e a única coisa que você vai levar da vida é a amizade. Nesse período na base os meninos viviam distantes dos pais. Então fazia questão de levar para a minha casa para conviverem como se fossem filhos mesmo em um ambiente familiar. Eles ligavam para os pais, falavam que estavam na casa do Professor Arzul e eu também conversava com eles".
A primeira grande oportunidade surgiu em 2009, quando Mococa, então preparador de goleiros do Santos, se lesionou e Arzul foi integrado à comissão por Luxemburgo. Ele retornou à base, mas uma proposta de fora mudou o seu destino.
"Em 2010 eu tive uma oferta muito boa do Jeonnam Dragons, da Coreia do Sul. Eu balancei. Então conversei com o pessoal do Santos e subi como auxiliar do Oscar [Rodriguez] para o profissional", disse.
A efetivação no cargo veio em junho de 2013, com a saída de Oscar. Da chegada ao Santos até agora se passaram 22 anos e as sementes plantadas se tornaram realidade atualmente no elenco principal do Santos.
Preparador negou quatro ofertas nos últimos 5 anos
Além de reconhecido internamente no Santos, o trabalho de Arzul já despertou o interesse de outros clubes de futebol.
"Já tive quatro propostas para sair nesses últimos cinco anos, três de times brasileiros e uma de fora, e sempre rejeitei. Lembro das boas lembranças com o torcedor santista, isso me balança muito e sempre optei por ficar. Respeito todas as equipes do Brasil e do mundo, sou apaixonado por futebol, mas o Santos é o clube que eu amo", disse.
Apesar de Arzul preferir não revelar os times que o procuraram, quem deu uma pista foi Oswaldo de Oliveira. Treinador do Peixe entre janeiro e setembro de 2014, Oswaldo ficou impressionado com o trabalho do preparador de goleiros e o convidou para ir para fora do país.
"Eu tentei levá-lo em alguns convites que eu recebi para o exterior e não consegui, infelizmente. Ele é um cara diferente e que gosto muito", comenta o treinador, que, fora do Brasil, passou pelo Al-Arabi, do Qatar, em 2017, e pelo Urawa Red Diamonds, do Japão, entre 2018 e 2019, após deixar o clube da Vila Belmiro.
Arzul tem rosto estampado no muro do CT
Pelé, Pepe, Coutinho, Neymar e... Arzul! Quem passar pelo CT Rei Pelé, em Santos, agora poderá ver o rosto do preparador de goleiros do Peixe pintado --pelo artista plástico Paulo Consentino-- no muro do clube.
"Isso aí para mim é como se fosse o nascimento de um filho. Sem palavras. O coração acelera. Quando existem os comentários dos torcedores você fica de boa, mas quando você vê que realmente aconteceu, que eu estou no muro, fico sem palavras mesmo", diz Arzul, ao Agora.
A homenagem feita no fim de 2020 acompanha uma outra marca importante: o profissional ultrapassou a marca de 600 jogos como o preparador de goleiros titular do Santos, segundo a Assophis (Associação dos Pesquisadores e Historiadores do Santos).
Ele começou no profissional em 26 de julho de 2009, na derrota por 2 a 1 para o Flamengo, com Felipe Garcia como titular.
"Eu tive muitos preparadores em várias fases da minha carreira, mas o Arzul foi o cara que mais eu tive consistência na base e que me ajudou a alavancar a carreira. Foi o cara que me deu a estrutura para aguentar a vida de um atleta profissional, que não é nada fácil, e deu o pontapé inicial na minha carreira", diz Felipe, cria da base santista.
Entre os 604 jogos como preparador do Santos, Arzul também trabalhou durante muitos anos com dois goleiros que não saíram da base: Aranha e Vanderlei.
"Minha convivência com Arzul foi a melhor possível, sempre com muitas risadas. Inclusive, quando estava lá, perguntei para o Zinho [gerente de futebol à época] se o Oswaldo de Oliveira [contratado no começo de 2014] iria trazer um novo preparador de goleiros. Ele me disse que era provável que sim. Então eu disse: 'então teremos um problema porque não quero o Arzul fora'. Mas aí o Oswaldo viu três treinos dos goleiros e o resto todo mundo já sabe [risos]", relembra Aranha, que tem 125 jogos com a camisa alvinegra.
Titular absoluto da meta por mais de quatro temporadas, Vanderlei destaca a personalidade do preparador para evoluir no gol.
"É um cara que cobra muito e isso é um diferencial dele porque ele não te deixa entrar na zona de conforto. Ele sempre quer tirar o melhor de todos os goleiros, não só do que está jogando. Todos fazíamos o mesmo trabalho sem distinção nenhuma de um goleiro para outro e a cobrança era igual. Isso deixa os goleiros em um nível muito parecido e um vai aprendendo com o outro", destaca.
Além dos goleiros, Arzul também tem um carinho especial dos treinadores com quem trabalhou. "É um profissional concentrado e exigente. Aqueles que lá estão são mantidos em um ótimo nível e sempre prontos para atuarem", diz Dorival Júnior, que passou pelo Peixe duas vezes, em 2010 e entre 2015 e 2017.
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