A palavra legado está desgastada, maltratada e degenerada pelo mau uso. A razão mostra que o verdadeiro legado não carece explicação, documentação, comprovação. À vera, é 100% emoção. Sentimento, coração.
Legado é carimbado pelo tato. Atestado pela audição do gargalhar, da visão do sorriso, do olfato apurado para farejar em cada desgraça a oportunidade única de fazer graça.
Legado não tem nada a ver com cartório. Nem com autenticação em duas vias. Legado são quatro filhos. Sete netos. Congestionamento não contabilizado (quase) imensurável de viúvas. Legado é viver intensamente sem jamais se importar com o que os outros vão pensar e, ainda assim, jamais deixar de pensar nos outros que importam.
Legado são gestos imortalizados na memória. Indescritíveis. Sensíveis. Legado é a briga entre a tristeza e a alegria ao sofrer ao reviver os prazeres vivenciados na imortal saudade.
Legado é explicado no sentido. Sempre em frente, com sorriso fixado no rosto, debochando dos desgostos, dos problemas, gargalhando sem medo do degredo.
Fumar o último cigarro entre a ligação para o Samu e a chegada da ambulância é sorrir para a morte. Desencanado com a matéria, Alderico desencarnou. Corinthians Paulista natural do Maranhão, coração cristão sem professar religiosamente nenhuma fé, leitor letrado sem formação formal, amoroso inimigo do falso moralismo, figura alta, magricela, brasileiríssima e comum gritava a sua presença única inclusive nas ausências.
Inimigo número um da pontualidade, de datas e de qualquer burocracia, era amigo, pai, avô, marido, ex-marido e sogro para qualquer hora. Misto do cara de pau com transparência surreal, amava as coisas boas e simples da vida como bebericar a caipirinha da filha, dançando e cantando Martinho da Vila com outra.
Gratidão eterna ao homem que passou o DNA da alegria, da honestidade, da gargalhada e do corinthianismo à minha mulher. Legado é sujeito. Alderico viverá para sempre nas pernas alegres, compridas e magrelas, nos trejeitos malucos e no insuportável bom humor do meu filho e seu neto Basílio.
A vida, eterna, continua, Alderico. E chupa que Alderico Jefferson é pior que Vitor Mauricio!
Frase atribuída a Alan Kardec, esculpida em sua lápide: "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei".
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.